O “centrão” no Congresso brasileiro e os espaços da política

O “centrão” no Congresso brasileiro e os espaços da política

O “centrão” é una união informal de partidos que constituem maioria no Congresso brasileiro. Diferentes governos o “contratam” para aprovar agendas. Isso implica enorme poder sobre o sistema político, que pode se manifestar em chantagem e corrupção.

Por: Humberto Dantas9 Ago, 2022
Lectura: 5 min.
O “centrão” no Congresso brasileiro e os espaços da política
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Artículo original en español. Traducción realizada por inteligencia artificial.

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Existe uma máxima que diz: “na política não existe espaço vazio”. A partir disso, surgem conflitos de diferente natureza em torno ao poder. No Brasil, o fim do regime militar, o processo de redemocratização, o governo civil e o processo constituinte trouxeram instantes desafiadores nos anos 1980. Eleito indiretamente por um colégio eleitoral, o oposicionista ao regime militar Tancredo Neves faleceu antes da posse. Seu vice, José Sarney, escolhido estrategicamente pelo PMDB para enfraquecer o status quo, assumiu o Brasil. O desafio é compreender em que medida ele tinha legitimidade junto ao povo e a setores políticos.

Sarney tomou posse em 1985 e, em 1986, o PMDB conquistou 22 dos 23 governos estaduais e fez maioria num Congresso Nacional que, simultaneamente, construiria a nova Constituição. O presidente precisava governar, tinha a potência do Executivo, mas encontrava resistências até mesmo no seu partido. As mais emblemáticas foram as simbolizadas pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, e pelo grupo dissidente que criaria o PSDB anos depois. Sarney demandava apoio do parlamento para governar e tinha interesses na Constituição.

Como trabalhar? O presidente vinha do grupo que governou o país no autoritarismo, deixou o PDS, contribuiu à construção do que seria o PFL e ingressou no PMDB para cumprir legislação que proibia coligações no pleito indireto. A morte de Tancredo interrompeu parte do sonho de parcelas da sociedade extasiada com o ideal da democracia. Para intérpretes da época, seu governo teve cara de PFL – um bloco das benesses do autoritarismo, com uma agenda conservadora nos costumes e nacionalista em termos econômicos. É nesse ambiente que floresce a ideia de “centrão”.

Nasce o “centrão”

O “centrão” não é uma instituição formal. Trata-se de elemento de análise que se refere a um grupo de partidos amorfo capaz de participar do eterno jogo de poderes em torno dos desafios à governabilidade. No Brasil, partidos que não necessariamente disputaram eleições presidenciais juntos precisam montar coalizões para compor os governos. Qual o preço de formatar esses encontros?

No governo Sarney, dentre outras estratégias, consagrou-se a distribuição da exploração de concessões públicas de rádio e TV para congressistas que apoiavam a agenda do Executivo. Nascia a ideia de “centrão”. Quem o conformava? Políticos de diferentes legendas dispostos a negociar incentivos individuais.

A partir dessa interpretação, diferentes governos “contratam” o “centrão” para aprovar agendas executivas que passem pelo Legislativo. A entrega de ministérios, a distribuição de cargos de confiança e a liberação de emendas orçamentárias são símbolos de poder capazes de ofertar estímulos partidários e individuais para permitir o avanço de uma agenda específica. Notam-se dois aspectos: existe uma agenda de governo e há interesse de legisladores em trocar força coletiva por microexecuções pontuais.

O poder de chantagem do “centrão”

Escândalos não faltam para caracterizar esse cenário, que não é, no entanto, sinônimo indissociável de corrupção. A despeito do que se imagina, ao menos até 2018 nem tudo era tão individual. Agendas do Executivo eram articuladas no interior do parlamento por partidos da base de sustentação do governo. Alguns deles eram aliados ideológica ou eleitoralmente à agenda presidencial, outros caracterizados pelo governismo. As palavras de ordem eram: “se existe governo, nós aderimos”. As legendas governistas carecem de comportamento ideológico e o pragmatismo indica ser essa a sua maior característica.

Assim, mesmo com a alternância de poder no Brasil, dois aspectos merecem atenção. Se, por um lado, o governismo transforma a política em espaço de busca por recursos mais individuais, por outro, oferta a real chance de se compor um governo. Qual o preço?

Novamente: escândalos de corrupção existem. E para acentuar a força do comportamento que caracteriza o “centrão”, nasceu a ideia de emendas parlamentares impositivas ao orçamento da União. Em 2015, uma mudança constitucional obrigou a Presidência a executar tais emendas. Isso significa que cada legislador, a despeito de posição partidária e relação com o governo, tem controle sobre recursos orçamentários.

Isso aumentou o poder de chantagem do Legislativo e, coincidentemente ou não, os presidentes se demonstraram frágeis desde então. Dilma Rousseff teve dificuldades de articulação política. Michel Temer não gozava de legitimidade junto ao eleitorado. Jair Bolsonaro prometeu que governaria sem os partidos, tratados por ele como sinônimo de corrupção.

As “emendas secretas” do Legislativo

Atualmente, o “centrão” respira poder, é caracterizado pelo governismo e entrega algo à agenda do Executivo. A pergunta fundamental é: Bolsonaro tem uma agenda? O presidente tem dificuldades para governar, e há quem diga que seu objetivo é apenas se manter no poder. O “centrão” viu nisso uma oportunidade para aumentar seu espaço em busca de mais recursos.

Fortaleceu, então, sem qualquer transparência, a ideia de “emendas secretas” ou “emendas do relator”. Essas emendas permitem que cada parlamentar negocie recursos adicionais com o relator do orçamento, com os presidentes do Congresso e com os líderes do governo. Essa é a fórmula de Bolsonaro para governar “sem os partidos”, como prometeu. As lideranças das legendas foram enfraquecidas à luz de negociações individualizadas entre governo e legisladores.

A oposição acionou o Judiciário, que pediu transparência constitucional na distribuição dessas emendas. Isso pode gerar conflitos, diante da sabida desigualdade em tal distribuição. O pedido da justiça é sistematicamente ignorado, e deve ser assim até as eleições em outubro, pois uma lista com nomes e valores geraria problemas severos nesse contexto.

Nesse cenário, restar pensar: o que será do futuro? O informe “centrão”, atrelado a um modo de ação informal, avança e aumenta suas demandas. Se há fragilidade de agenda, reduzida legitimidade do Executivo diante de parcelas da sociedade e vontade de legisladores de avançar ocultamente sobre recursos, só lhe restaria pedir mais.

Assim, o “centrão” quer que as “emendas secretas” sejam pagas compulsoriamente aos parlamentares a partir de 2023. Isso reduz o poder de negociação do Executivo e eleva a sensação de que o país está descentralizando suas agendas de investimento. Afinal de contas, na política, não existe espaço vazio.

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Humberto Dantas

Humberto Dantas

Cientista político. Doctor por la Universidade de São Paulo. Coordinador de cursos de posgrado en la Fundação Escola de Sociologia e Politica de São Paulo (FESP) y de Liderazgo y Gestión en el CLP.

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