2022 e a polarização no xadrez eleitoral brasileiro

2022 e a polarização no xadrez eleitoral brasileiro

A quarta maior democracia do mundo está a caminho de uma eleição histórica. Num ambiente polarizado, os eleitores parecem ser movidos não pela qualidade das propostas, mas para impedir a vitória de um dos candidatos.

Por: Ariane Costa, Anja Czymmeck9 Feb, 2022
Lectura: 8 min.
2022 e a polarização no xadrez eleitoral brasileiro
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Artículo original en español. Traducción realizada por inteligencia artificial.

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No Brasil, dizia-se há alguns anos que política, futebol e religião não se discutem. Quanto aos dois últimos, a ideia parece haver ainda certa aderência, mas o fato é que nunca se discutiu tanto sobre os rumos políticos do país como nos últimos tempos. O debate político tende a esquentar nos próximos meses à medida que a quarta maior democracia do mundo se aproxima das eleições gerais em outubro deste ano, o que determinará os próximos quatro anos da presidência e Congresso Nacional, além de Executivo e Legislativo estaduais.

O Brasil é não só o quarto país em termos de população eleitoral, com seus 148 milhões de eleitores, mas também conquistou o fatídico pódio de quarto país que mais se afastou da democracia, segundo o relatório de 2020 do Instituto V-Dem, da Suécia. Com registros de “polarização tóxica”, além de violência política e protestos favoráveis ao autoritarismo, o ano de 2022 trouxe o que promete ser uma das campanhas eleitorais mais conturbadas desde a redemocratização, na década de 1980.

A corrida eleitoral deste ano vai se desenrolar em um Brasil que amarga o luto por mais de 620 mil vidas perdidas para a Covid-19, muitas delas o resultado da gestão negligente do atual presidente e de seus ministros negacionistas. Não bastasse a crise sanitária, que ainda está em curso, 12 milhões de brasileiros estão desempregados e o endividamento das famílias atingiu o maior nível em onze anos. Na questão climática, o Brasil, que já esteve na vanguarda da discussão sobre o clima, com propostas inovadoras em fóruns multilaterais, hoje se vê isolado em meio a uma crise ambiental que desgasta a imagem do país no exterior, com um aumento de 67% na área de floresta destruída no atual governo.

Se às vésperas das eleições de 2018 o assunto prioritário para os brasileiros era corrupção e segurança pública, hoje as questões prementes são economia e saúde pública. O Auxílio Brasil, programa social proposto pelo governo federal que prevê o pagamento de R$400 à população mais pobre, é uma das investidas de Jair Bolsonaro (Partido Liberal – PL) para galvanizar apoio popular nesse momento de desgaste. Na liderança da corrida eleitoral, o ex-presidente Lula (Partido dos Trabalhadores – PT) tem larga vantagem com eleitores de baixa renda, e seu discurso está centrado na lembrança dos programas sociais de transferência de renda desenvolvidos na gestão do PT, que ajudaram a tirar o país do Mapa da Fome, do qual havia saído em 2014 e para o qual voltou em 2021.

A forte rejeição a Bolsonaro, hoje com índice de reprovação de 56%, segundo a pesquisa PoderData, faz com que a oposição se organize para lhe fazer frente. O ex-presidente Lula, seu maior rival, é quem aparece na liderança das pesquisas de intenção de voto com 42%, podendo se eleger em primeiro turno caso tenha a maioria dos votos válidos, isto é, se obtiver mais votos do que todos os seus oponentes juntos. No entanto, apesar de liderar com folga, também tem sua imagem política desgastada por conta dos escândalos de corrupção do PT, enfrentando também alto grau de rejeição, não só da sua imagem, mas também de seu partido. Após Lula, Bolsonaro (PL) aparece com 28% das intenções de voto, seguido de Sergio Moro (Podemos) em um terceiro lugar com 8%, Ciro Gomes (PDT) com 3% e João Doria (PSDB) com o percentual pouco relevante de 2%.

Com Lula e Bolsonaro somando juntos 70% das intenções de voto, o atual cenário de polarização impacta não só a disputa presidencial, mas todos os outros cargos em questão. Na esfera estadual, serão eleitos 27 governadores e mais de mil deputados estaduais. A proximidade (ou distância) em relação ao bolsonarismo ou lulismo é o que pode determinar as chances de um candidato e até mesmo suas boas relações dentro do próprio partido. O Partido Social Liberal (PSL), antiga legenda de Bolsonaro, era inexpressiva até a vitória do atual presidente, mas viu sua bancada crescer e assumir a liderança de prefeituras e governos importantes pelo Brasil, eleitos na seara do bolsonarismo. Até o fechamento da janela de troca de partidos, em abril, é possível que muitas peças importantes se movam no xadrez político, especialmente, considerando um país com trinta e três partidos políticos oficiais na disputa. Agora que Bolsonaro se assentou no PL e que o DEM e o PSL se fundiram para criar o União Brasil, é provável que muitos candidatos debandem de suas legendas para se acomodar na que encontrarem mais chances de vitória.

Bolsonaro, que desde o princípio governa por conflito, e não por consenso, precisa de um contraponto para se eleger – é aí que o antipetismo cai como uma luva. O atual presidente explorou o ódio à política nas últimas eleições, se apresentando como um homem simples e “outsider”, tornando-se um fenômeno virtual. De lá para cá, seu discurso supostamente apolítico mudou e, para costurar mais alianças, Bolsonaro mudou de tom em busca de governabilidade. Entre a esquerda e a direita, candidatos do centro estão trabalhando para formar uma terceira via alternativa a estes dois polos, valendo-se principalmente do discurso de necessidade de renovação política. A renovação apregoada, no entanto, já nasce velha, pois quase todos os representantes da terceira via tem suas raízes no próprio bolsonarismo.

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Dentre os que se dizem uma alternativa à polarização Lula versus Bolsonaro, uma parte era bolsonarista até pouco tempo, o que demonstra uma construção atabalhoada deste caminho alternativo que, se apresentando como novo, é velho na prática. A outra parte é formada por antipetistas que, muito abaixo nas pesquisas, não parecem ter chances reais de assumirem a liderança da terceira via, como se auto intitula esse grupo alternativo. Se em “Para Além da Esquerda e da Direita” (1994) Giddens utilizou esse conceito para propor um estado de bem-estar social reformulado, no Brasil de 2022 a chamada terceira via representa uma alternativa política à polarização Lula x Bolsonaro. Ao longo de 2020, muitas pré-candidaturas foram anunciadas para testar a aprovação e validar a decisão política por este em vez daquele candidato, mas até agora nenhum concorrente da terceira via conseguiu assumir a liderança deste grupo.

Sérgio Moro, em terceiro lugar na disputa até o momento, foi um fiel apoiador do atual presidente, no governo de quem assumiu o posto de Ministro da Justiça. Ao garantir a prisão de Lula na Operação Lava Jato, o ex-juiz foi uma peça central para o resultado das eleições de 2018. Era alguém de estima para Bolsonaro, até que começou a questioná-lo e, agora, tenta apagar o presidente do seu passado. Moro se filiou recentemente ao Podemos, mas já vem flertando há algum tempo com o União Brasil, o novo super partido com os maiores fundos eleitoral e partidário, para aumentar suas chances na disputa.

João Dória (PSDB), por sua vez, chegou a propor que os eleitores paulistanos votassem em Bolsonaro para presidente nas eleições de 2018, inaugurando o “BolsoDória”, que o catapultou ao governo da capital financeira do país.  As disputas internas do PSDB, um partido histórico que em seis das últimas sete eleições presidenciais havia protagonizado a disputa com o PT, mas agora briga internamente por coesão, o enfraquecem na disputa.

As filiações partidárias se definirão, de fato, até o início de abril, quando se fecha a janela de troca de partidos e se inicia o jogo estratégico de definições de alianças e articulações para o período das convenções dos partidos, que acontecem em agosto e oficializam a escalação de seus times para a disputada partida que são as eleições. Até outubro, muita coisa ainda pode acontecer no jogo eleitoral. As presidências de Arce na Bolívia, Fernández na Argentina, López Obrador no México e Gabriel Boric no Chile são indicativos de novos ventos, mais à esquerda, na América Latina – o que também não é pouco relevante para esta análise. As disputas dentro dos partidos pela divisão de diretórios, além dos movimentos de alianças ou rupturas com Bolsonaro e Lula nas diferentes regiões serão os principais assuntos dos próximos meses para que possamos entender o xadrez eleitoral em que se encontra o Brasil.

Em um Brasil radicalmente polarizado, sem uma terceira via competitiva, os brasileiros terão que escolher um candidato para impedir a vitória do outro, e não pela qualidade de suas propostas. Em mais uma eleição, a polarização radical desnuda no Brasil uma cultura política que carece mais de heróis do que bons projetos políticos.

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Ariane Costa

Ariane Costa

Coordinadora de proyectos de educación política en la Fundación Konrad Adenauer en Brasil. Doctoranda en ciencia política por la Fundación Getulio Vargas. Magíster en relaciones internacionales. Integrante del Grupo de Investigación Integración de América del Sur y el Rol de Brasil

Anja Czymmeck

Anja Czymmeck

Directora de la oficina en Francia de la Fundación Konrad Adenauer. Fue consultora de la KAS para los países andinos, en el equipo de América Latina y en el equipo de Europa.

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