Na prática, o governo Lula já começou antes mesmo de tomar posse – oficialmente em 1 de janeiro de 2023. No Brasil, desde 2001, está institucionalizada a transição de governo. O então Presidente Fernando Henrique Cardoso organizou uma série de instrumentos legais para que o líder do partido adversário –Luis Inácio da Silva– pudesse se inteirar do estado da administração pública.
Em 2021, Lula participa de mais uma transição de governo. O Vice Presidente eleito Alckmin coordena uma equipe de quase 300 pessoas divididas em 31 grupos temáticos, que entregarão um diagnóstico e sugestões para o novo governo. Foi necessário acomodar dezenas de partidos, movimentos sociais e grupos políticos que apoiaram a chapa vencedora nas eleições passadas.
O principal desafio de Alckmin é negociar com o Congresso uma permissão para aumentar os gastos do Estado e entregar promessas de campanha – a principal delas a manutenção do programa de transferência de renda (Bolsonaro chamava de Auxílio Brasil, Lula retornará ao nome antigo Bolsa Família).
As últimas semanas já possibilitam antever riscos que o próximo governo enfrentará.
1. O mercado
A relação de governos de esquerda com o mercado financeiro traz sempre um componente de instabilidade. A tese de doutorado da Professora Daniela Campello demonstra que as bolsas de valor tendem a ficar mais voláteis quando políticos de esquerda ganham eleições – a correlação é mais forte para países em desenvolvimento. Hoje, Lula está enfrentando isso no Brasil e Gustavo Petro na Colômbia por exemplo.
O mercado financeiro apresenta sinais de desconfiança ao governo eleito. Segundo o mercado, Lula não oferece um norte claro de como agirá para que a dívida pública não saia do controle.
Na prática essa desconfiança se traduz em desvalorização do real frente ao dólar e queda da bolsa de São Paulo. Em outras palavras, os investidores –aqueles que tem dinheiro para emprestar ao Estado brasileiro– decidem vender suas posições em empresas brasileiras e buscam refúgio no dólar – ativo mais seguro para resguardar seu dinheiro.
O mecanismo pode não ser justo, mas é como funciona o mundo. A tradição intelectual da esquerda tem um problema com isso. Enfrentar o mercado e ditar as próprias prioridades pode ser um risco impossível de ser bancado por Lula, devido às muito prováveis consequências econômicas negativas (inflação, menos investimento…) e, logo, o impacto que isso teria em sua popularidade.
Lula terá de que caminhar na corda banba. Não pode nomear um Ministro da Fazenda tão pró-mercado que desagrade sua base de esquerda, quem afinal sempre esteve com ele mesmo nos piores momentos – quando ele esteve preso e tido como morto para a política. Por outro lado, o dilema é que Lula não pode tampoco deixar de olhar para os sinais que o mercado financeiro lhe dá.

2. Capacidade de montar coalizão com os diferentes, escutar e prevenir crises
A capacidade de ouvir diferentes interlocutores é fundamental em qualquer nível de governo para se prevenir de crises que podem ocorrer no horizonte. Diferentes interlocutores olharão diferentes riscos.
Um exemplo é o caso do mercado financeiro. Se integrantes do novo governo interpretarem que as vozes do mercado são somente uma torcida contra, não conseguirão desenhar os cenários adequados.
Outro exemplo: em sua viagem recente ao Egito, para a cúpula do clima das Nações Unidas (COP-27), Lula viajou de carona no jatinho de um empresário do setor da saúde. Faltou capacidade da equipe do governo eleito de antever que isso seria explorado pelos meios de comunicação e pelos críticos. Alguém dentro da equipe teria que calcular que dezenas de milhões de brasileiros acreditam que Lula é um corrupto e ter desenhado uma estratégia de comunicação para evitar a crise de reputação.
A maior parte dos integrantes da equipe de transição é do PT. Mais uma vez, Lula terá de se equilibrar na corda bamba entre nomear seus fieis aliados e dar espaço aos novos aliados, do centro à direita, que tornaram sua vitória eleitoral possível.
3. Existirá uma oposição golpista nos próximos anos
O que vimos nas últimas semanas foi o Presidente eleito ser tratado como pop star na COP-27 fazer reuniões com representantes de Estados Unidos e China. Em Brasília, o Vice Presidente eleito tenta articular o orçamento de 2023 e a imprensa e os players da política buscam pessoas com quem falar no novo governo.
Em paralelo, o atual Presidente Jair Bolsonaro não aparece em público e o Vice Presidente, General Braga Netto, incentiva protestos que pedem por um golpe militar que impida Lula de assumir o governo.
Nas redes sociais e nos apps de mensagem (WhatsApp e Telegram), o silêncio de Bolsonaro é interpretado como incentivo para que as manifestações continuem. Por todo o país grupos se reunem na porta de quarteis do Exército para pedir um golpe. Estradas são fechadas e impedem até o trânsito de alimentos e ambulâncias. Há evidências de que as manifestações são articuladas entre políticos ligados ao atual governo e empresários.
O partido de Bolsonaro (Partido Liberal) pediu a anulação de urnas do segundo turno da eleição onde Lula venceu (mas não pediu anulação do primeiro turno, onde o partido foi o mais votado para o Congresso). Esse fato não terá maiores repercurssões jurídicas e Lula assumirá o governo. No entanto, é um sinal de que a oposição adotará o modus operandi do movimento reacionário Make America Great Again de Donald Trump, que nunca reconheceu o resultado das eleições de 2020. A consequência disso é debilitar a fé pública na República. Pessoas radicalizadas, organizadas em grupos ou sozinhas, podem se sentir empoderadas e praticar atos de violência com motivação política, como já ocorreu ao longo de 2022.
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