Lula na corda bamba entre Estados Unidos e China

O Brasil é chamado a escolher lados entre as duas potências do sistema internacional. Lula segue tradição diplomática de vários governos brasileiros. O pragmatismo é o norte da política internacional.

Por: Marco Bastos14 Mar, 2023
Lectura: 7 min.
Lula na corda bamba entre Estados Unidos e China
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Artículo original en español. Traducción realizada por inteligencia artificial.

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A disputa estratégica nos setores de alta tecnologia

Patrícia Campos Mello noticiou na Folha de São Paulo que a Casa Branca disse ao governo brasileiro que quer investir na cadeia de semicondutores no Brasil. O investimento está condicionado às restrições da Lei de Chips, o pacote legislativo de US$ 52 bilhões que Joe Biden aprovou no Congresso a fim de diminuir a dependência americana de microchips produzidos na China.  As empresas brasileiras beneficiadas não poderiam ter negócios com a China por dez anos, e as que já tiverem negócios em curso não poderiam ampliá-los.

As disputas comercial e tecnológica entre Estados Unidos à China, a pandemia e a invasão da Rússia à Ucrânia nos apresenta um mundo em que consierações geopoliticas suplantam interesses comerciais.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido por Biden em fevereiro e no final de março, visitará Xi Jinping em Pequim, que também acena com subsídios para investimentos na indústria tecnológica brasileira. Patrícia Campos Mello resumiu o quadro: Na visão do governo brasileiro, que não se inclina para nenhum dos dois lados nessa Guerra Fria tecnológica, interessa manter as duas superpotências em competição.

No governo anterior, quando houve a discussão sobre a adoção da tecnologia 5G na telefonia celular, o Brasil permaneceu neutro e não bloqueou a participação da empresa chinesa Huawey, a despeito das pressões do governo americano e da expressa simpatia do próprio Presidente da República à época pelo lado americano.

Meio ambiente e mudança climática

Mudança climática, energias renováveis e produção de alimentos são pautas em que o Brasil tem relevância global. Isso se deve ao fato de que o Brasil tem em seu território a maior floresta tropical do mundo, ao mesmo tempo em que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

O governo anterior, de Jair Bolsonaro, retirou o país do engajamento nas cúpulas do clima das Nações Unidas (COPs) e do Fundo Amazônia – mecanismo criado em 2008, pelo qual os governos da Alemanha e Noruega financiavam projetos que buscavam um desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira.

Lula busca se diferenciar de seu antecessor e ofereceu a cidade de Belém para sediar a COP em 2025 e reativou o Fundo Amazônia, conseguindo rapidamente a adesão dos antigos patrocinadores e a promessa de financiamento dos Estados Unidos. Na discussão de meio ambiente, o principal ponto de discórdia entre países pobres e em desenvolvimento, de um lado, versus países ricos, do outro lado da mesa, é quem pagará a conta.

Nos temas de meio ambiente, enquanto europeus e americanos (em governos Democratas) são mais assertivos quanto à necessidade do Brasil preservar a sua Amazônia, a China mantém o discurso de respeitar a soberania brasileira em assuntos internos – no fundo, é o que a China diz que o mundo deveria fazer em relação às suas violações de direitos humanos em Xinjiang e Tibet. Além disso, o objetivo estratégico da China no Brasil é assegurar commodities considerados estratégicos para sua economia.

Floresta Amazônica Brasileira  (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Floresta Amazônica Brasileira  (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Os investimentos da China no Brasil e na América do Sul se concentram em portos, rodovias, mineração, petróleo, gás e alimentos. Estive certa vez em reunião em que um diplomata chinês disse que as prioridades chinesas no Brasil eram essas e água. Meio ambiente não foi citado.

O poder de pressão da União Européia para frear o desmatamento no Brasil decorre do fato de que 16% das exportações agrícolas do Brasil vão para a UE. Além disso, os cortes de carne que os europeus compram são mais caros em média que os importados por chineses. No final de 2022 a UE aprovou um regulamento que prevê punições a empresas que vendam produtos que tenham sido produzidos em áreas desmatadas.

A diplomacia do clima europeia é uma aliada da agenda ambiental de Lula e de sua Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que já disse que tem como metar zerar o desmatamento na Amazônia. Contudo, ambos terão que negociar essa agenda com o setor agrícola brasileiro pois no passado, legislações permitiram que uma certa quantidade de área dentro da floresta fosse desmatada. Não é um assunto fácil de se ressolver para o governo brasileiro no front interno.

Minha análise: moralistas e o interesse nacional

A China é, de longe, o maior parceiro comercial do Brasil. Os laços históricos e culturais com os Estados Unidos são muito mais sólidos, inclusive na sociedade civil. Nesse cenário internacional, resta ao governante de um país menor como o Brasil, três opções: se aliar a um lado; ao outro; ou se equilibrar entre as duas potências.

O governante pragmático deve calulcar as oportunidades e custos de cada uma das três opções. Sempre haverá setores fazendo lobby legítimo por cada uma das posições em disputa. Também haverá setores advogando por escolhas de política externa baseadas em princípios morais. Os que defendem o alinhamento com os Estados Unidos apontarão para os valores da democracia liberal como superiores. Já os que defendem maior aproximação com a China lembrarão as várias intervenções americanas no exterior (como o apoio ao golpe civil militar no Brasil em 1964).

No meio da disputa, a verdade inescapável de que países como o Brasil carecem de trilhões de dólares em investimentos em todas as áreas – da educação à infraestrutura. A dimensão da realpolitik nunca deve ser pedida quando se olha para os movimentos da política internacional.

A invasão russa à Ucrânia e as sanções do Ocidente à empresas e políticos russos levantou o questionamento se o Brasil não deveria aderir a tais sanções. Em entrevista recente, o Embaixador Rubens Barbosa disse que a política externa brasileira deveria manter seu “histórico de equidistância pragmática” e que “sanções deveriam ser aprovadas no Conselho de Segurança da ONU e na Organização Mundial do Comércio”. No total, cerca de 150 países não aderiram as sanções, incluindo importantes países emergentes como África do Sul, Índia, Indonésia, Israel e Turquia.

Um risco para o atual governo brasileiro é que seus líderes e o Partido dos Trabalhadores (PT) do Presidente, caiam em uma visão distorcida e idealizada dos fatos. Essa visão já tornou o país cumplice dos crimes da ditadura da Nicarágua. Não se extrai nenhuma vantagem para o país com essa posição que parece saída da fantasia de slogans anti-imperialistas.

Quanto a Rússia, Lula tenta -mais uma vez- se equilibrar entre as duas grandes potências. Lula não deseja quebrar o bloco dos BRICS, que conta com um banco de desenvolvimento ora presidido por um representante brasileiro. No entanto, a oferta de Lula de mediar a paz entre russos e ucranianos não é séria. O governo brasileiro não apresentou nenhuma proposta concreta até o momento e a diplomacia brasileira não tem massa crítica de experts em Rússia e Ucrânia.

Lula e sua diplomacia deveriam focar em maximizar o interesse nacional. O primeiro passo é o diagnóstico de quais ligas o Brasil pode ser relevante e que oportunidades o mundo tem a oferecer: a disputa tecnológica entre as potências e as discussões sobre meio ambiente e agricultura trazem oportunidades que o país deveria explorar. O pragmatismo dos governantes pode gerar mais investimentos e por isso seria bem vindo para milhões de brasileiros sem emprego e sem comida.

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Marco Bastos

Marco Bastos

Analista político y consultor de campañas electorales con foco en América Latina. Magister en Historia Económica por la Universidad de Buenos Aires. Analista en Southern Pulse.

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