O storytelling, ou assimilação das características de um produto a uma narração, é uma frutífera ferramenta de marketing que, trasladada para a propaganda eleitoral, garante que a mensagem do candidato chegue ao eleitor de uma forma que este rapidamente a entenda e internalize.
Os seres humanos precisamos de relatos simples para compreender a realidade. Naturalmente os procuramos. São eles que nos permitem compreender e ordenar as situações e contradições do mundo em que vivemos, que facilitam que identifiquemos e tenhamos empatia com um determinado cenário. De geração em geração, esta necessidade inata fomentou que façamos uso dos relatos para conectar e aprender; para transferir com eficiência uma informação, para que esta seja entendida e retida pelo ouvinte; para persuadir e mobilizar.
De fato, o relato acompanha a história do homem. É uma parte elementar de nossa cultura, tradições, memória coletiva e muito mais. Os formatos têm variado: discursos, imagens, vídeos, áudios; mas a essência segue sendo a mesma. Por que, então, se há tanto tempo o relato tem estado presente em nossa experiência, agora parece que contar relatos — ou storytelling — é a nova grande descoberta?
Origem do storytelling
À direita e à esquerda observamos como (particularmente nas últimas duas décadas) o termo storytelling é mencionado pelos especialistas como uma técnica elementar para, dependendo das audiências, captar a atenção de clientes, usuários ou cidadãos. Seja para uma campanha empresarial, social ou eleitoral, são muitas as atividades cotidianas que estão impregnadas de relatos. No entanto, os primórdios do storytelling remontam às empresas na década de 1990, especificamente nos Estados Unidos. Naquela época, as corporações entenderam que, além de destacar as características de seus produtos, ao oferecer valores associados à sua marca poderiam comprometer ainda mais seus clientes com o projeto. Atualmente, já sabemos que esta técnica transcendeu para outros âmbitos.
Cercados de histórias
Para ilustrar como os relatos permearam a sociedade, recapitulemos o que pode ser uma manhã qualquer durante a semana. Você se prepara em casa para ir trabalhar. Você liga a televisão enquanto faz o café da manhã e assiste a um comercial protagonizado por um casal de idosos, desfrutando de uma refeição em família. Ao mesmo tempo, uma voz em off fala sobre a importância de passar tempo com nossos entes queridos. Segue um carrossel de vídeos: o casal brincando com os netos, vendo um entardecer, indo às compras. Nos últimos três segundos do comercial, a frase “Nós cuidamos dos seus” aparece ao lado de um frasco de comprimidos de cálcio. Você muda de canal e estão repetindo os discursos do comício da noite anterior de um dos candidatos a governador para as próximas eleições. Você aumenta o volume:
Você desliga a televisão, recolhe o que é da cozinha e abre a porta da sua casa para sair para o escritório. Nisso, você se depara com um panfleto que deixaram na sua entrada, com uma imagem de uma criança com semblante triste e a frase “Juan tem que andar quinze quilômetros todos os dias para conseguir água potável”. Você vira a página e encontra os dados de uma ONG para fazer doações. Relatos, relatos e relatos. Para lhe vender um produto, para criar empatia com e humanizar um candidato, para persuadi-lo a fazer uma doação. E assim, você sabe que um relato é bom quando você encontra um ponto de conexão. Quando você reconhece ou se reconhece.
Como nos conectamos nas campanhas?
Os relatos costumam fazer uso de diferentes recursos literários para acentuar e amplificar as emoções: metáforas, hipérboles, anáforas, ferramentas que potencializam a transmissão dos valores subjacentes à mensagem.
O storytelling tem sido explorado por organizações, líderes sociais, empresas, partidos político, administrações e muitos outros atores. E, de fato, as figuras políticas não são alheias à conclusão de que os relatos são efetivos. Contar histórias é uma ferramenta eficiente para captar a atenção dos diferentes grupos de interesse de uma campanha (stakeholders). Quanto mais atenção derem ao detalhamento da história, mais ouvirão, mais perceberão, mais reterão e, portanto, mais estarão familiarizados com os conceitos e discursos que um determinando partido ou candidato queira impulsionar no debate público. Quando as histórias são boas, não é que se vá acreditar nelas, é que se quer acreditar nelas.
Em seu livro Storytelling: a máquina de fabricar histórias e formatar mentes, o escritor francês Christian Salmon afirma que nas campanhas eleitorais a realidade se encontra coberta em uma “rede narrativa, capaz de filtrar percepções e estimular aquelas emoções que sejam de maior utilidade”. Desta maneira, um bom relato impacta, mas não ofende. Concretamente, permite acionar enquadramentos determinados, formar vínculos e estabelecer uma memória em seus receptores.
Outra característica dos relatos é que costumam fazer uso de diferentes recursos literários para acentuar e amplificar as emoções: metáforas, hipérboles, anáforas, ferramentas que potencializam a transmissão dos valores subjacentes à mensagem. Deve-se acrescentar também que os relatos costumam ser baseadas em mitos universais, grandes arcos narrativos que representam alguns dos obstáculos do homem, como o mito do herói, a fundação de uma nova pátria, o escolhido, o êxodo e muitos outros.
Ligia Balderrama, professora de literatura, cinema e televisão, especializada em roteiros, distingue seis elementos-chave do storytelling: o sujeito, herói da história; o destinado, a força interna ou externa que move o sujeito a agir; o oponente, que tenta impedir o sujeito de atingir seu objetivo; o objeto, aquilo que o sujeito defende ou pretende alcançar, o que orienta sua ação; o destinatário, que se beneficia diretamente se o sujeito alcança seu objetivo; e, por fim, o ajudante, aquele que assessora o sujeito a realizar a ação. O objetivo deste esboço é o de esclarecer as peças que devem ser levadas em conta para construir uma narrativa atraente e coerente.
Certamente, não se deve acreditar que toda comunicação é um relato. É possível proporcionar uma informação sem gerar nenhum tipo de emoção. Para fazer a distinção entre comunicar algo e contar um relato, pensemos que este último suscita uma reação emotiva.
O storytelling é capaz de comover, de gerar afinidade ou rechaço e, eventualmente, até de mobilizar. Por isso, na esfera política, reconhecer o alcance e a importância das histórias dentro das estratégias comunicacionais e desenhar mensagens que, seguindo dita estratégia, ressoem com as audiências, marca a diferença entre uma campanha eleitoral exitosa e um grande desacerto.
Direção dos marcos discursivos
Se o relato é positivo, se construirão mais mensagens de reforço em torno do candidato e do partido: experiência e qualificações do indivíduo, trajetória e êxitos do partido em gestões anteriores.
Além disso, o relato também definirá o discurso e o tipo de aproximação que as campanhas terão. Em uma campanha negativa, se apelará à memória, procurando gerar uma agenda que parta das lembranças: por exemplo, “os erros que o outro partido cometeu no passado são o que nos levou à desgraça atual”.
Ao contrário, se o relato é positivo, se construirão mais mensagens de reforço em torno do candidato e do partido: experiência e qualificações do indivíduo, trajetória e êxitos do partido em gestões anteriores. Da mesma forma, há campanhas que decidirão centrar o relato na trajetória do partido político mais do que no próprio candidato (entre outros, no caso de um candidato que não é muito conhecido). Enquanto há outras que optam por destacar a figura do candidato acima de tudo (no caso de um escândalo do partido, convém separar a pessoa da crise de reputação que seu agrupamento possa ter).
Voltando à construção do relato, outro fator elementar a ser levado em conta é o destacado pelo professor e jornalista Roberto Rodríguez, que ressalta que “toda campanha trabalha com a ideia de tentar controlar a pergunta que o eleitor tem que se fazer na cabeça ao ir votar: ‘por que vou votar nesse candidato ou nesse partido?’”. A isso respondemos que as motivações são diversas. Uma delas, das mais potentes, acontece quando as campanhas apelam ao medo como emoção principal em suas narrativas. Estes marcos podem conseguir mobilizar um cidadão às urnas, não porque acredite no candidato em que votará, mas porque a alternativa gera angústia e aversão.
Casos potentes de storytelling
Um exemplo claro deste cenário é aquele gerado pelo Daisy Girl spot. Embora tenha sido emitido oficialmente apenas uma vez para a campanha de Lyndon B. Johnson em 1964, considera-se que foi um fator chave no triunfo sobre Barry Goldwater nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, e um ponto de inflexão na história política e publicitária. Em suma, fazendo referência às posições de ambos os candidatos sobre a energia nuclear, o comercial mostrava uma garotinha brincando no campo, quando se ouve uma contagem regressiva em off que, ao se aproximar do zero, aproxima o foco da pupila da criança. No final da contagem, vê-se no reflexo do seu olho a explosão de uma bomba. Imediatamente a seguir, com as imagens da explosão na tela, ouve-se a voz de Johnson enunciando: “Isto é o que está em jogo. Fazer um mundo no qual todos os filhos de Deus possam viver, ou ir para a escuridão. Ou devemos nos amar uns aos outros, ou devemos morrer”. O comercial termina com a reivindicação “Vote no presidente Johnson em 3 de novembro. Há muito em jogo para você ficar em casa”. Até hoje, continua sendo classificado como um dos anúncios políticos mais controversos.
Definitivamente, o storytelling é uma técnica formidável para comunicação externa. É preciso mencionar, ainda, que também se revelou útil para a comunicação interna, particularmente para a gestão de equipes. Usá-lo dentro da campanha pode ajudar a unir os grupos de trabalho, aumentar a motivação e fortalecer o sentido de propósito dos envolvidos no projeto. Séries e filmes relevantes dos últimos anos que recriam as dinâmicas das administrações, como The West Wing, Borgen, Madam Secretary, Veep e The Ides of March, acertadamente produzem situações em que o storytelling interno da campanha foi um ponto de virada para uma mudança de panorama. Sem dúvida, quem o líder de um movimento primeiro deve seduzir e persuadir são os membros de sua equipe direta. Estes serão os primeiros replicadores das mensagens de sua campanha.
Analisando outro aspecto que tem favorecido e ampliado o fenômeno do storytelling paralelamente ao mencionado, vale destacar o crescimento das redes sociais e das novas tecnologias. Não só os spots, os vídeos e as imagens na era digital têm um efeito multiplicador ao poderem ser enviados diretamente entre usuários por qualquer plataforma, mas também as formas e os vocabulários próprios de cada rede social, bem como a possibilidade de editar a partir do próprio celular, permitiram que, com menos orçamento e mais velocidade, os partidos respondam com relatos precisos e visuais aos acontecimentos das campanhas.
Enquadramentos, símbolos e imagens
Quanto ao storytelling na política, deve-se reconhecer que muito se joga no simbólico. Portanto, para que o relato seja efetivo, é fundamental que, após definir claramente as linhas discursivas, instaurem-se alguns símbolos claros: imagens potentes que resumam as mensagens da estratégia. Igualmente, deve-se mencionar que somente quando se tenha a estratégia com clareza é que a mensagem pode ser elaborada, para logo fixar os símbolos.
Estes devem ser capazes de condensar muitos significados e apelar à ação. Um exemplo claro disso é a campanha de Obama em 2008. O pôster «Hope» do candidato, um retrato estilizado de Obama em estêncil em vermelho, bege e azul com a palavra Hope (‘progresso, esperança ou mudança’) abaixo, foi uma imagem icônica distribuída de forma impressa e digital que conseguiu aglomerar os principais elementos de sua campanha presidencial nessa única figura. Daniel Ureña, sócio fundador e diretor da mas Consulting, aponta no décimo episódio do podcast En Campaña que “as melhores campanhas são aquelas que têm componentes visuais muito fortes, quando somos capazes de gerar imagens mentais na cabeça da população, já que quando você imagina o que estão contando, você vai entender melhor, vai reter”. Durante o mesmo podcast, o jornalista Andoni Aldekoa conclui que “se a mensagem não gera imagens, perde força e potência”.
O que se deve levar em conta no momento de construir as mensagens? Inquestionavelmente, a dinâmica do contexto e os interesses e problemas de sua audiência objetiva.
Por outro lado, consideremos agora que um dos principais objetivos que qualquer equipe estratégica deseja alcançar por meio do storytelling em um contexto eleitoral (além de organizar voluntários, arrecadar dinheiro, recrutar filiados e persuadir eleitores) é impor sua agenda de temas nas conversas cotidianas. Que seu framing (sua narrativa, seu enquadramento, suas palavras, suas imagens) seja aquele que ressoe com os cidadãos. O que deve levar em conta no momento de construir suas mensagens? Inquestionavelmente, a dinâmica do contexto e os interesses e problemas de sua audiência objetiva.
Os frames necessitam símbolos e imagens que os façam ser lembrados, seja em nível cultural, midiático ou psicológico. Para que os nossos públicos-alvo se interessem pelo que dizemos, é fundamental saber o que os preocupa e os afeta (segurança, economia, educação, futuro…). No livro Storytelling para el éxito: conecta, persuade y triunfa gracias al poder oculto de las histórias, Peter Gerber reconhece que as histórias mais impactantes começam colocando um interesse crucial no centro de uma ameaça, uma promessa ou uma possibilidade que o público jamais havia imaginado e que agora não pode ignorar.
Desenvolvendo com mais profundidade sobre a importância e a necessidade de impor um enquadramento, o renomado linguista George Lakoff afirma em seu livro Don’t think of an elephant, no qual analisa as diferenças entre as campanhas e os discursos de democratas e republicanos nos Estados Unidos, que a forma de enquadrar uma ideia determina em grande medida a resposta a esta. Como amostra para explorar a eficácia de um frame, basta que atores externos a uma campanha, como meios de comunicação, analistas e cidadãos comuns comecem a empregar em suas mensagens os conceitos e termos estabelecidos pela campanha do adversário.
O que você compra?
Assim, sem perceber, estamos cercados de relatos em quase todas as atividades de nosso dia a dia. De histórias que captam, conectam, convencem e, por fim, ativam. Agora, da próxima vez que você escutar um discurso de campanha, quando passar na frente dos novos anúncios da sua prefeitura, quando lhe enviarem um e-mail para pedir assinaturas para o novo projeto de lei, pense: que relato estão tentando me vender?
Referências bibliográficas
Balderrama, L. (2008). El esquema actancial explicado. Punto Cero. 13(16), 91-97.
Gerber, P. (2011). Storytelling para el éxito: conecta, persuade y triunfa gracias al poder oculto de las historias. Madrid: Empresa Activa.
Lakoff, G. (2007). No pienses en un elefante. Lenguaje y debate político. Madrid: Editorial Complutense.
Salmon, Ch., e Roig, M. (2008). Storytelling: la máquina de fabricar historias y formatear las mentes. Madrid: Península.
Ureña, D., Rodríguez, R., Aldekoa, A., y Rodríguez, R. (convidados). (2021). En Campaña
María Gabriela Páez
Licenciada em Estudos Liberais pela Universidade Metropolitana da Venezuela. Cursou o Mestrado em Comunicação Política e Corporativa (MCPC) da Universidade de Navarra. É consultora de comunicação digital e redes sociais com experiência na Espanha e na América Latina. Atualmente trabalha como Account Manager na Dog Social Intelligence, uma empresa consultora em comunicação e desenvolvimento de produtos digitais.