Luis Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro passam para o segundo turno. Seus resultados iniciais foram 48,43% e 43,2%, respectivamente. O mapa do Brasil já mostra uma diferença importante: o norte mais a favor de Lula e o sul inclinado para Bolsonaro. Aqui estão cinco pontos-chave.
1. O bolsonarismo é uma força política, não é uma moda passageira
Figuras emblemáticas do mundo bolsonarista foram eleitos. Os ex-ministros de Bolsonaro Damares Alves (dos Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente), General Pazuello (Saúde), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e o Vice Presidente General Mourão serão parlamentares a partir do ano que vem.
O General Pazuello foi o responsável pela saúde na pandemia. Houve uma política oficial contra o uso de máscaras, além da fabricação em escala industrial de cloroquina pelo Exército. Pazuello foi um dos candidatos a deputado mais votado no Rio de Janeiro – com o dobro da votação do ex-secretário de saúde da cidade Daniel Soranz, um centrista cuja campanha exaltava o fato dele ter trazido vacinas aos cariocas.
Ricardo Salles nunca havia ido à Amazônia antes de virar Ministro do Meio Ambiente e já afirmou que não acredita em mudanças climáticas. Salles teve mais de o dobro de votos de Marina Silva, ex-Ministra da pasta e ativista ambiental.
Ex-ministros de Bolsonaro venceram eleições, com grandes votações, apesar do mal resultado de políticas públicas. A Ciência e Tecnologia teve cortes de gastos nos últimos quatro anos e o desmatamento da Amazônia aumentou. Isso mostra uma identidade política muito forte e também que os eleitores do lado bolsonarista consomem notícias em sites, televisões, jornais e em grupos de Whatsapp que fazem propaganda a favor do governo.
Bolsonaro, em 4 anos, colocou de pé um ecossistema de comunicação e armou um grupo político sob sua liderança carismática. Esse grupo se compõe do tripé militarismo, conservadorismo religioso e aliança com oligarquias.
Bolsonaro exalta os valores militares de hierarquia e ordem, tem o apoio da “família militar”, comunga de uma versão ultraconservadora do cristianismo e tem suporte político de oligarquias regionais, organizadas em partidos de centro-direita no Congresso.
2. Lula é maior que a esquerda
Lula fez 48% dos votos no primeiro turno da disputa presidencial. Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, os partidos de esquerda não chegam a 30% das cadeiras. De fato, em caso de vitória de Bolsonaro, a esquerda não tem votos suficientes no Congresso para vetar nenhuma proposta de emenda à Constituição que Bolsonaro possa apresentar.
A esquerda terá um problema de passagem de bastão geracional. Lideranças de esquerda que poderiam emergir para o futuro não se viabilizam eleitoralmente, como Fernando Haddad (em São Paulo) e Marcelo Freixo (no Rio de Janeiro) – ambos colecionam 3 derrotas em eleições nesta década. Manuela D’Ávila (no Rio Grande do Sul) preferiu nem concorrer no diante de uma provável derrota.
As vitórias eleitorais do PT a governos estaduais se resumem à região Nordeste – a única das cinco regiões do país onde a esquerda é predominante. De fato, a dianteira de 12 milhões de votos que Lula teve sobre Bolsonaro no Nordeste foi o que desequilibrou a balança no final e fez Lula chegar com vantagem ao segundo turno.
3. A centro direita foi dizimada
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que liderou a centro-direita entre 1994 e 2014, virou um partido pequeno e cedeu o campo da direita a Bolsonaro. O PSDB de 2023 será irrelevante no rumo das decisões tomadas em Brasília.
O PSDB foi perdendo espaço político nos últimos anos à medida que foi perdendo sua identidade. O partido votou alinhado com o governo Bolsonaro na maioria das votações no Congresso. Mais da metade dos parlamentares do PSDB apoiaram inclusive a proposta de Bolsonaro de voto impresso – originada da teoria da conspiração bolsonarista de que as urnas eletrônicas não seriam confiáveis.

Em 2022, o PSDB elegeu apenas 13 deputados federais. Como comparação, foram 99 em 1998, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. O PSDB tampouco elegeu nenhum Senador. Pela primeira vez na história o PSDB não teve um candidato próprio à Presidência da República. Apoiou Simone Tebet, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que teve 3.8% dos votos nacionalmente.
4. As pesquisas falharam em captar o voto em Bolsonaro
Os institutos de pesquisa subestimaram a votação de Bolsonaro, ainda que tenham acertado o voto em Lula.
Há um debate sobre as razões da diferença das últimas pesquisas com o resultado final do primeiro turno. Pode ser um problema com as amostras, com dados desatualizados do Censo de 2010 (último realizado). Pode ter havido migração rápida de votos de candidatos menores a Bolsonaro – movimento não captados pelas pesquisas nos dias anteriores à eleição. Pode ter havido mais voto envergonhado em Bolsonaro do que o previsto.
De toda forma, os institutos de pesquisa terão que rever metodologias e saber comunicar sua função à sociedade. O retrato de ontem é que muita gente olha para esses institutos e não acredita neles.
5. O Congresso é dominado pela direita
Os partidos da direita -com histórico de alta adesão às agendas de Bolsonaro no Congresso- terão mais de 60% das cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado. Isso é o suficiente para passar a agenda legislativa do interesse de um possível segundo governo de Bolsonaro.
No cenário da vitória de Lula, o Congresso deve ser -em princípio- mais hostil e demandaria maior barganha para cooperar. Umcenário em que o Congresso obstrui Lula tem que ser levado em conta, ainda que membros desses partidos também já tenham apoiado os governos de Lula no passado.
A questão é que o sistema de incentivos na relação entre Congresso e Executivo mudou. Antes, partidos de centro-direita apoiaram os governos do PT em troca de controlar parte do orçamento federal via administração de Ministérios e empresas estatais. Isso mudou.
Em 2021, os parlamentares conseguiram aprovar uma medida que obriga ao governo destinar uma parte do orçamento que deputados e senadores passaram a tocar pequenas obras por todo o Brasil – quase como se fossem membros do poder Executivo. A manobra foi feita com pouca transparência, por isso o caso ficou conhecido como “orçamento secreto”.