As três chaves da relação Brasil-Rússia

As três chaves da relação Brasil-Rússia

A psique antiamericana da esquerda brasileira e o desejo de Lula de se destacar no cenário internacional explicam como o país se move. O risco? Ofender os EUA e a Europa, chave para rejeitar o golpe de Bolsonaro

Por: Marco Bastos10 May, 2023
Lectura: 5 min.
As três chaves da relação Brasil-Rússia
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Artículo original en español. Traducción realizada por inteligencia artificial.

Acesse a versão em espanhol.

No dia 15 de abril, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva estava em Beijing para uma visita de Estado ao imperador chinês Xi Jinping. Em uma entrevista, Lula criticou Estados Unidos e União Européia por “incentivarem a guerra”. Nos dias posteriores Lula deu várias declarações que igualavam o agressor Rússia e a agredida Ucrânia. Depois, o chanceler russo Sergei Lavrov visitou Lula na residência presidencial em Brasília. Ao lado do Ministro das Relações Exteriores brasileiro Mauro Vieira, Lavrov disse que Brasil e Rússia “tinham a mesma visão” de mundo.

Três camadas explicam o comportamento de Lula e suas declarações sobre a Rússia-Ucrânia: 1) tradição diplomática brasileira de não alinhamento; 2) tentativa de ampliar o alcance diplomático brasileiro; 3) Ideologia e visões de mundo dele e de parte da esquerda brasileira.

Tradição de não alinhamento

A tradição diplomática do Brasil é de não-alinhamento desde a década de 1940. Poucos governos mudaram isso. O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi um deles, alinhando-se com Donald Trump e seu movimento reacionário.

Nos anos 1940, Getulio Vargas barganhou vantagens econômicas e equipamentos militares para lutar ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1990, Fernando Henrique Cardoso se engajou fortemente na diplomacia tanto com a América do Sul quanto com os Estados Unidos, em uma estratégia batizada de “independência na participação”.

Na maior parte da História, o Brasil tentou aumentar sua autonomia. Dada esta tradição diplomática, o Brasil não adota sanções unilaterais. Historicamente, segue sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O não-alinhamento e a necessidade econômica explicam a postura brasileira de não sancionar a Rússia, seguindo a postura de seus sócios fundadores dos BRICS – China, Índia e África do Sul. Matias Spektor, um dos mais influentes pesquisadores de política externa brasileira, recentemente escreveu que esse é um comportamento racional de Estados emergentes e que eles não lembram com saudade da ordem unipolar liderada pelos EUA. Para eles, a ordem multipolar pode trazer mais vantagens.

O Brasil não se indispõe com a Rùssia de olho também em sua relação com a China, que promete investimentos bilionários. Como disse o ex-Secretário do Tesouro americano Larry Summers, a China oferece um aeroporto, os Estados Unidos oferecem uma palestra.

Lula visita a Xi - Fuente PIIE
Lula visita Xi – Foto: PIIE

Ideologia

Há várias camadas. Lula acredita que o governo americano fez um complô com o juiz da Lava Jato Sergio Moro para prendê-lo. Lula citou essa teoria da conspiração em entrevistas recentes. É um fato que a Agência Nacional de Segurança (NSA) espiou a então Presidente Dilma Rousseff e a maior empresa do país – Petrobras, o que não gera boa vontade entre os petistas com Washington DC.

Por mais pragmático que Lula seja (a sua formação é sindicalista – nunca foi um militante socialista ou comunista), ele é o líder de um partido de esquerda e muitas pessoas da esquerda brasileira são anti-americanas porque têm uma mentalidade de Guerra Fria e ainda culpam os Estados Unidos por apoiarem o golpe de Estado de 1964 e o regime que durou 21 anos.

O sociólogo Celso Rocha de Barros, que tem um livro sobre a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) nota que parte da esquerda tem a ideia de que a Rússia, na guerra, representa os países emergentes do Sul Global contra um aliado da OTAN. O site Brasil247, um portal de notícias que apoia o PT e o governo Lula, repetiu a propaganda oficial russa de “desnazificação” da Ucrânia.

Alcance diplomático

Em seus dois primeiros mandatos (2003-2009), Lula tentou expandir o alcance do Brasil. O país começou a participar dos BRICS e do G-20. O Brasil passou de 90 Embaixadas espalhadas pelo mundo a 129, incluindo Afeganistão and Coréia do Norte que fecharam por falta de condições de segurança. Lula e seu então chanceler Celso Amorim também tentaram negociar um acordo com o Irã em 2009 sobre o enriquecimento de urânio, mas fracassaram.

Agora, Lula quer desempenhar um papel na guerra, mas as declarações de Lula e do seu conselheiro Amorim foram um desastre para a opinião pública.

O jornalista Serguei Monin do Brasil de Fato, único veículo brasileiro que tem correspondente para a Rússia, contou a Dialogo Politico que nenhum jornal brasileiro tem correspondente na Rússia desde 2018, o que reforça as visões de mundo trazidas pela mídia ocidental. Um diplomata brasileiro aposentado observou que a mídia brasileira olha muito para o Ocidente e que era fácil prever que a percepção seria que o Brasil estava se alinhando a Rússia.

Minha análise

Lula e Amorim podem querer que o Brasil seja mediador da guerra, mas a operação foi um desastre de relações públicas. Ademais, há um desperdício de recursos e de energia. O Brasil não tem capacidade material para mediar nada no Leste Europeu. Quantos especialistas em Rùssia e Ucrânia há no corpo diplomático? O Brasil deveria concentrar a sua energia diplomática na América do Sul e nas alterações climáticas – questões em que é fundamental.

Sobre a visão de parte da esquerda brasieira que apoia a invasão russa, é irônico pois Putin é o líder de um regime militar personalista, anti-liberal e financiado por oligarcas. Chamávamos a isso fascismo nos anos 20 do século passado. Lula chama Bolsonaro de fascista. De fato, tanto a esquerda latino-americana como a extrema-direita ocidental veneram Putin. A esquerda olha para Putin e vê resistência aos EUA. A extrema-direita olha para o discurso de superioridade da Nação e da etnia russa.

Se não fosse pelo apoio de americanos e europeus, provavelmente Bolsonaro teria conseguido dar o golpe de estado que desejava. Um risco para a diplomacia de Lula é não conseguir organizar tantos elementos ao mesmo tempo.

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Marco Bastos

Marco Bastos

Analista político y consultor de campañas electorales con foco en América Latina. Magister en Historia Económica por la Universidad de Buenos Aires. Analista en Southern Pulse.

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