Independência ou golpe
No dia 7 de setembro de 2022, o Brasil comemorará 200 anos de independência. Em vez de desfiles lembrando a data histórica, o presidente Jair Bolsonaro convocou uma manifestação a favor de seu governo na praia de Copacabana, com navios da Marinha no mar e aviões da Aeronáutica rasgando os céus.
A cena que Bolsonaro está organizando para o 7 de Setembro mostra que ele utiliza as Forças Armadas para projetar poder. Em várias ocasiões, ao longo dos últimos quatro anos, o debate político brasileiro girou em torno à possibilidade de um golpe de Estado. Essa tensão permanente, prejudicou a imagem dos militares, envolvendo-os na disputa política como se fossem uma facção e não uma instituição de Estado. Porém, os militares foram amplamente beneficiados nos últimos anos, ampliando sua atuação em diversas áreas do governo e sua fatia no orçamento federal.
As redes de apoiadores do Presidente convocam para o 7 de Setembro com slogans a favor de um golpe militar que seria liderado por Bolsonaro e fecharia a Suprema Corte.

No 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro discursou para uma multidão no centro de São Paulo e prometeu não mais cumprir ordens judiciais de um dos juízes da Corte. O vice-presidente, General Hamilton Mourão, acompanhava Bolsonaro naquele ato sem precedente na história da democracia brasileira. Em Brasília, naquele dia, havia o temor de que caminhoneiros pró-Bolsonaro invadissem o palácio de vidro do Supremo Tribunal Federal.
O fantasma da intervenção militar
O temor de um golpe permeia o debate político brasileiro desde a vitória de Bolsonaro em 2018, quando o ex-capitão do Exército foi eleito, mesmo elogiando a ditadura (1964-1985).
As manifestações pró-Bolsonaro sempre contaram com grupos pedindo um golpe de Estado. Esses pedidos foram ficando mais explícitos desde o início de seu mandato.
Em maio de 2020, no início da pandemia,Bolsonaro convocou um ato em Brasília, em frente ao Quartel General do Exército. Ele desfilou a cavalo e seus apoiadores pediam que ele fechasse a Suprema Corte e o Congresso. Antes do ato, Bolsonaro sobrevoou a manifestação em um helicóptero militar acompanhado do então Ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva.
Em março de 2021, Bolsonaro trocou o ministro da Defesa e os Comandantes das três forças – Exército, Marinha e Aeronáutica, fato inédito. O ministro Azevedo e Silva escreveu em carta que “preservou as Forças Armadas como instituição de Estado”. Os comandantes demitidos disseram a Bolsonaro queria uma “aventura golpista”.
Em julho de 2021, o jornal O Estado de São Paulo noticiou que o general Braga Neto havia ameaçado o presidente da Câmara de Deputados Arthur Lira, de que se o voto impresso não fosse aprovado, as eleições de 2022 não aconteceriam. O militar desmentiu o jornal. O deputado, não. No dia da votação pelo voto impresso, Bolsonaro mandou veículos militares para um desfile em frente ao Congresso.
Forças Armadas empoderadas
A necessidade de imprimir os votos é parte da teoria da conspiração difundida por Bolsonaro de que o sistema eletrônico de votação é fraudulento. Vários militares de alta patente já difundiram essa desinformação.
Sempre com a ameaça velada de ter o controle das Forças Armadas com ele, Bolsonaro entrou em uma disputa com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que capitulou e incorporou as Forças Armadas em um grupo para supervisionar a segurança das urnas. Os militares usaram os mesmos argumentos sem base nos fatos para questionar a segurança das urnas.

Desde 2018, as Forças Armadas expandiram seu raio de atuação em políticas públicas antes controladas por civis. Em diferentes momentos do atual governo, generais estiveram à frente de assuntos como:
- Controle do desmatamento na Amazônia;
- Gestão da pandemia,
- A estatal do petróleo (Petrobras) e a da energia elétrica (Eletrobras)
- Ministérios que cuidam da mineração e da articulação do poder Executivo com o Congresso.
- O órgão federal que cuida da biodiversidade (ICMbio) foi dado para um capitão da Polícia Militar,
- A agência reguladora de remédios (Anvisa) esteve com um Almirante da Marinha,
- A Secretaria de Esportes para um oficial militar,
- O ministério da Infraestrutura esteve sempre sob o controle de um egresso do Instituto Militar de Engenharia.
Em 2020, o Brasil de Bolsonaro tinha mais militares no ministério do que a Venezuela de Nicolás Maduro.
Os anos Bolsonaro foram bons para os militares. Em meio a uma reforma da previdência que cortou benefícios para civis, militares e policiais mantiveram seus benefícios e os oficiais das Forças Armadas tiveram aumento de 40% do salário. Ademais, áreas como saúde e educação sofreram cortes devido à restrição fiscal, enquanto que os gastos com projetos militares cresceram.
Sem clima para um golpe
Os sinais emitidos pelas Forças Armadas são ambíguos: de um lado coronéis e generais colocam em dúvida a segurança da urna eletrônica, mas por outro lado dizem a jornais, quase sempre off the record,que não apoiariam um golpe.
Nas elites políticas e empresariais, o apoio explícito a um golpe é minoritário – restrito a um grupo que financia movimentos de apoio a Bolsonaro. Contudo, em agosto, empresários e banqueiros assinaram a Carta Pela Democracia, lida no pátio da Universidade de São Paulo – documento que também foi assinado por entidades tradicionalmente de esquerda, como sindicatos e movimento estudantil.
Diferente de 1964, quando o golpe militar foi apoiado em peso por empresários e por governos estrangeiros, em 2022 a pressão internacional foi contrária, sobretudo por parte dos Estados Unidos.
O cenário base é que, silenciosamente, o comando das Forças Armadas vai negociar com Lula, em caso de que ele volte à presidência. A principal demanda militar provavelmente será manter vantagens previdenciárias para a “família militar” e o financiamento para projetos considerados estratégicos para eles.
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