A Internet tornou-se tão elementar nas campanhas políticas como na vida cotidiana, de tal forma que já não é possível propor uma campanha sem estabelecer uma presença nas redes. O artigo apresenta oito conselhos sobre como criar uma campanha na internet.
A Internet mudou todos os âmbitos da atividade humana e, portanto, também a política. Se a televisão mudou a forma de fazer política, a irrupção das novas tecnologias fez com que, atualmente, vivamos em uma transformação permanente e constante. A novidade em relação ao resto das mudanças produzidas desde a introdução da imprensa no século XV é a velocidade com que se desenvolvem e a dificuldade em assimilá-las. Embora, no início, muitos políticos desconfiassem da internet e encontrassem dificuldades para se adaptar a este novo meio e linguagem, hoje em dia a maioria é consciente de que eleições não podem ser vencidas sem que se esteja presente na esfera digital.
As novas mídias digitais mudaram as regras do jogo no ambiente político; sobretudo no que diz respeito à implementação de estratégias eleitorais: mudou o uso que fazemos das formas tradicionais de comunicação, assim como a busca pelo voto e a mobilização do eleitorado. Apesar do uso generalizado que os políticos fazem das mídias sociais, seu uso ainda pode ser bastante aprimorado.
As redes sociais permitem criar uma comunidade por meio da interação de seguidores e potenciais eleitores. Para tal, são necessários tempo e dedicação. A seguir, são expostas as principais lições que podemos extrair do uso da internet em campanhas e que devemos levar em conta antes de empreender qualquer disputa eleitoral.
As novas mídias digitais mudaram as regras do jogo no ambiente político; sobretudo no que diz respeito à implementação de estratégias eleitorais: mudou o uso que fazemos das formas tradicionais de comunicação.
1. Não subestimar ou sobrestimar o poder da internet
A Internet é mais uma ferramenta de comunicação que temos à nossa disposição. Os meios digitais vêm complementar outras vias de comunicação tradicionais como a televisão ou a imprensa. Quando falamos de meios digitais, nos referimos a uma grande variedade de elementos: blogs, páginas da web, fóruns, diferentes tipos de redes sociais como Facebook, Twitter e aplicativos de mensagens como WhatsApp ou Telegram.
A Internet não deve ser considerada como uma panaceia: as eleições não são ganhas apenas por meio da internet; no entanto, não se pode ganhá-las sem ela. Por exemplo, no caso dos jovens, é notável a importância que o digital adquire para acessá-los. Precisamente, os nativos digitais — a chamada geração Z— tendem mais a usar as redes sociais como a principal fonte de notícias do que a acessar um site de uma mídia específica (RISJ, 2021).
A Rede tem muitas vantagens das quais é necessário saber tirar proveito. Entre muitas outras, nos permite aplicar técnicas de persuasão muito mais econômicas e efetivas. Graças à enorme quantidade de informações fornecidas pelas redes sociais, podemos identificar aqueles grupos de pessoas que são potenciais eleitores e dirigir a eles um anúncio. Além disso, nos permite fazer uma escuta da conversa que é gerada nas redes, o que se chama de social listening, e analisar quais assuntos são de interesse.
No entanto, não se deve esquecer que há vida além do âmbito digital. Em outras palavras, a realidade supera o digital. Nem todo mundo está presente nas redes. Por isso, nunca devemos negligenciar as outras formas de comunicação que temos à nossa disposição ou subestimá-las devido ao protagonismo adquirido pela Internet.
A Internet não deve ser considerada como uma panaceia: as eleições não são ganhas apenas por meio internet; no entanto, não se pode ganhá-las sem ela.
2. Off-line e online: duas caras, uma mesma campanha
Um dos erros habituais é considerar a parte digital da campanha como um elemento à parte. No entanto, a estratégia digital faz parte da estratégia geral, ou seja, se entendemos a estratégia como a espinha dorsal de uma campanha, a parte digital faz parte desse eixo. São duas caras da mesma moeda. Para isso, é necessário que haja uma convivência e coordenação entre ambas as esferas. Na prática, porém, ainda há candidatos e partidos que planejam suas campanhas como se fossem duas realidades diferentes.
Um exemplo dessa convivência entre as duas esferas é a campanha de Pedro Castillo para as eleições no Peru em 2021. O então candidato fez de um simples lápis o símbolo e eixo de sua campanha eleitoral. Este objeto cotidiano estava presente em todos os seus comícios e atos de campanha, bem como nos elementos tradicionais de publicidade, e chegou inclusive a ser logo do seu próprio partido político, Perú Libre. Além disso, tornou-se o elemento estrela do merchandising da campanha. As imagens de Castillo com seu lápis e as de seus seguidores com réplicas e pinturas do objeto em diversos espaços públicos foram distribuídas pelas redes sociais da campanha, contribuindo assim para reforçar e ampliar o efeito mobilizador que se buscava com dita campanha. Na Espanha, nas eleições gerais de abril de 2019, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) imitou o estilo de expressão das redes sociais para transferi-lo para o restante dos espaços públicos tradicionais; de tal forma que o símbolo do coração (como um like) inundou cada um dos eventos de campanha ao passo que se propagava também nas redes sociais.
3. A importância do visual
Na fase de elaboração de uma mensagem, é necessário concentrar-se não somente na própria mensagem; ainda mais importantes são as imagens geradas por essa mensagem. Conforme se destaca no podcast En Campaña no episódio 4, dedicado à construção da mensagem, é necessário converter a mensagem em imagens. As imagens têm um impacto poderoso na atenção e retenção dos espectadores; graças a elas, é mais fácil atrair a atenção do cidadão e se conectar com ele ou ela, e que a mensagem seja lembrada. O uso estratégico de imagens e vídeos é uma ferramenta útil para que os partidos políticos criem e mantenham a confiança e a reputação.
Precisamente, as melhores campanhas são aquelas que têm um componente visual muito forte, seja através de símbolos, imagens, seja por meio de outros elementos visuais. Para isso, temos que ir renovando e disponibilizando uma série de imagens que se associem à mensagem que queremos transmitir. E é aqui que as redes sociais como Instagram ou Facebook, nas quais prevalece o componente visual, podem nos ajudar. De fato, no campo da investigação em comunicação política, os acadêmicos demonstram um maior interesse pelo papel dos elementos visuais nas campanhas eleitorais (Veneti, Jackson e Lilleker, 2019), ou seja, o chamado visual framing, a forma como enquadramos a mensagem visualmente (Grabe e Bucy, 2009).
Os políticos são muito conscientes do papel crítico que as imagens desempenham quando o público os avalia. É por isso que cada vez mais exploram as plataformas de redes sociais como o Instagram, focadas no visual. Um exemplo disso é o uso que Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, faz das redes sociais. Desde que assumiu a liderança do Partido Liberal em 2013, ele e sua equipe demonstraram uma extraordinária gestão das redes, acompanhada de uma estratégia calculada milimetricamente para construir uma imagem de líder acessível, afável e simpático; em suma, uma imagem de consenso que, por sua vez, complementa e reforça a essência de seu legado político baseado na defesa de liberdades individuais e no reencontro com a população nativa do país.
4. O lado mais pessoal da política
No momento de elaborar a mensagem em uma campanha eleitoral, devemos pensar qual é a história que queremos contar, o storytelling. Hoje, isso recai principalmente sobre o próprio candidato ou candidata. A centralidade na figura do candidato ou liderança política se reflete no fenômeno da personalização da política. Trata-se de uma tendência que se refere ao protagonismo que os líderes adquiriram nos processos políticos (Rebolledo, 2017). Se, anteriormente, aspectos como a ideologia, o pertencimento a uma classe social e a religião eram fatores determinantes para a decisão do voto, atualmente o político em nível individual parece ser um elemento que vertebra as decisões políticas tomadas pelos eleitores (Rico, 2009; Garzia, 2014). A personalização se materializa em uma estratégia de comunicação enfatizando: a visibilidade do candidato em relação ao seu partido e políticas, os traços mais marcantes de sua personalidade, bem como certos aspectos de sua vida privada.
No entanto, a preocupação com a imagem do político sempre existiu na política; muda o contexto, assim como os meios para gerenciá-la. Se a televisão é o meio por excelência da personalização, as redes sociais intensificam esse fenômeno e configuram o ambiente ideal para que se desenvolvam outros semelhantes, como a popularização ou a chamada pop-politics.
Esses fenômenos ajudam os candidatos a apresentar uma imagem atraente para seus eleitores e, por sua vez, a aumentar a identificação cidadã e diminuir a distância psicológica entre eles e seus potenciais eleitores. Dessa forma, as lideranças enquadram estrategicamente as imagens mostrando um caráter mais pessoal e privado, sendo as redes sociais o ambiente ideal para isso. Concretamente, e em comparação com outras redes sociais, o Instagram promove um caráter mais informal com imagens mais espontâneas, apolíticas e casuais; há mais espaço para mostrar a dimensão privatizadora da personalização (Farkas e Bene, 2021).
Por isso é comum nos depararmos, nos perfis de candidatos nas redes, com posts com imagens jantando em família, cozinhando em casa, praticando esportes ao ar livre, curtindo um show do seu grupo favorito ou comendo um hambúrguer em uma conhecida e popular rede de restaurantes, como Barack Obama fez em várias ocasiões.
5. Internet como agente de mobilização
A Internet propiciou um novo contexto midiático e social conhecido como sistema midiático híbrido (Chadwick, 2013). Este novo sistema implica em mudanças nas relações entre o poder político, a mídia e os cidadãos. Precisamente, uma mudança é a troca e modificação dos papéis antes adotados pelos políticos, pelos jornalistas e pelas pessoas. Os cidadãos-usuários não são apenas receptores de mensagens, mas se tornaram emissores, criadores de conteúdo e até influenciadores em seus círculos. Nesse contexto, é necessário entender a campanha como um espaço de construção em que intervêm esses novos agentes que são os seguidores e potenciais eleitores. É por isso que, hoje em dia, é cada vez mais difícil pensar em uma modalidade de campanha centralizada, pois contamos com usuários autônomos, espontâneos e, às vezes, até criativos.
Esta nova dinâmica, que favorece o diálogo e a mobilização, supõe uma vantagem para nossa campanha se conseguirmos aproveitar a contribuição dos usuários. Nessa linha, temos um caso recente de uma campanha descentralizada graças ao poder mobilizador da Internet. Trata-se de Eric Zemmour, personagem polêmico e possível candidato às eleições presidenciais francesas de 2022. Até o momento, não confirmou sua candidatura, mas, graças a um movimento organizado e promovido por seus seguidores, Génération Z, a expectativa em torno de sua figura e do próximo tabuleiro eleitoral é máxima, e se tornou um ator onipresente na cobertura midiática do país.
6. As redes sociais, além da campanha
As redes sociais são plataformas que permitem ao candidato, candidata ou liderança política interagir com seus seguidores, simpatizantes e potenciais eleitores. Como não há intermediação alguma, o político pode encaixar a mensagem que quiser e como quiser: ele tem controle absoluto na emissão. No entanto, para que a mensagem tenha o efeito desejado, deve haver uma conexão com os seguidores para estes o identifiquem como uma fonte confiável e próxima. Para isso, é preciso alimentar as redes de forma paulatina com conteúdo bem elaborado e interagir com os seguidores para ir construindo uma relação.
Às vezes, os candidatos mostram explicitamente que só entendem as redes como um mero instrumento eleitoral, ao invés de considerá-las como uma via para seguir construindo sua liderança. É uma prática muito comum abrir um perfil em uma mídia social pouco antes de eleições e que, uma vez decorridas, este perfil seja fechado ou permaneça no esquecimento. Este tipo de ação diminui a credibilidade e os usuários a interpretam como uma prática oportunista. Um exemplo disso é Nicolas Sarkozy, quando em 2012 decidiu reabrir seu perfil no Twitter justamente poucas horas antes de anunciar sua candidatura à reeleição presidencial em uma entrevista na televisão.
O usuário e potencial eleitor é um consumidor multitela, a maior parte da informação que recebe é para consumo imediato e há um tal excesso de mensagens que se encontra em um contexto de saturação de informação, a chamada infoxicação.
7. A necessidade de uma profissionalização das redes
No contexto das democracias midiáticas, os políticos vêm se adaptando continuamente à lógica midiática com o fim de garantir um espaço em uma esfera midiática cada vez mais competitiva; esfera onde mais canais de comunicação tentam coexistir em um contexto pautado pelo imediatismo, ubiquidade e um ciclo de informação de vinte e quatro horas diárias, e onde a atenção se torna um bem escasso. Hoje em dia continuam se esforçando para se adaptar ao novo ambiente de mídia digital que muda em um ritmo vertiginoso com o surgimento de novas tecnologias como é o caso do Snapchat, do TikTok ou da Twitch.
Deve-se entender que o usuário e potencial eleitor é um consumidor multitela, a maior parte da informação que recebe é para consumo imediato e há um tal excesso de mensagens que se encontra em um contexto de saturação de informação, a chamada infoxicação. Além disso, o usuário não utiliza a Internet apenas para a busca de notícias, mas também para socialização, diversão e entretenimento. Daí que a adaptação também deve ser refletida por meio da linguagem e de modos específicos de expressão de cada plataforma ou meio digital, inclusive da criatividade. Por exemplo, mediante o uso de emoticons ou hashtags.
E aqui é ainda mais necessária, se possível, a profissionalização das redes sociais; nem todas as plataformas funcionam da mesma forma e são destinadas ao mesmo tipo de usuários. Um erro comum é publicar a mesma mensagem e da mesma maneira em todos os canais sem adaptá-los às idiossincrasias de cada um deles. Se se trata de nutrir uma relação aparentemente mais pessoal, respondendo a demandas específicas ou direcionando mensagens para públicos mais precisos, deve-se levar em conta que cada plataforma possui uma arquitetura digital própria, com protocolos técnicos que influenciam no comportamento dos usuários no espaço virtual: cada plataforma funciona e impulsiona diferentes interações entre os usuários, o que afeta o engajamento (Bosetta, 2018).
8. Da segmentação tradicional ao microtargeting
A digitalização permitiu que sejamos mais eficientes com nossos recursos para a gestão de campanhas. Graças ao mundo digital, é possível ajustar melhor nossos públicos, objetivos ou targets e dirigir-lhes uma mensagem criada ad hoc para cada um dos segmentos identificados. Desta maneira, atingiu-se tal grau de sofisticação que passamos de uma segmentação baseada em uma série de variáveis padronizadas para uma microssegmentação dos eleitores tão específica que se chega quase a uma busca individualizada.
Essa microssegmentação ou microtargeting aproveita o sistema de coleta de dados de plataformas como Facebook ou Twitter para direcionar uma mensagem a um determinado perfil de usuário-eleitor. É, portanto, uma ferramenta fundamental por meio da qual podemos identificar nichos de eleitores. A localização de nichos é extremamente importante no contexto político atual, onde cada vez há mais competitividade, um eleitorado mais fragmentado, mais partidos em cena, um voto mais volátil que não se rege pelo eixo esquerda-direita e o desaparecimento de governos com maioria absoluta. Por causa dessas dinâmicas, alguns poucos votos podem fazer a diferença em eleições apertadas. As vitórias de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro no Brasil são alguns casos recentes em que se demonstrou a efetividade dessa segmentação minuciosa.
Referências bibliográficas
Bosetta, M. (2018). The Digital Architectures of Social Media: Comparing Political Campaigning on Facebook, Twitter, Instagram, and Snapchat in the 2016 U.S. Election. Journalism and Mass Communication Quarterly, 95(2), 471-496.
Chadwick, A. (2013). The hybrid media system: Politics and power. Oxford: Oxford University Press.
Farkas, X., e Bene, M. (2021). Images, Politicians, and Social Media: Patterns and Effects of Politicians’ Image-Based Political Communication Strategies on Social Media. International Journal of Press/Politics, 26(1), 129-142.
Garzia, D. (2014). Personalization of politics and electoral change. Basingstoke: Palgrave Macmillan.
Grabe, M. E., e Bucy, E. P. (2009). Image bite politics: News and the visual framing of elections. New York: Oxford University Press.
Rebolledo, M. (2017). La personalización de la política: una propuesta de definición para su estudio sistemático.Revista de Comunicación, (16)2, 147-176.
Reuters Institute for the Study of Journalism (RISJ). (2021). Digital News Report, 2021. https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/2021-06/Digital_News_Report_2021_FINAL.pdf
Rico, G. (2009). Líderes políticos, opinión pública y comportamiento electoral en España. Madrid: CIS.
Veneti, A., Jackson, D., e Lilleker, D. (eds.) (2019). Visual Political Communication. Palgrave Macmillan, Cham.
Marta Rebolledo de la Calle Possui um duplo doutorado internacional pela Universidade de Navarra e pela Université Paris-Est. É professora de Comunicação Política no Departamento de Comunicação Pública e subdiretora do Mestrado Executivo em Reputação Corporativa (MERC) da Universidade de Navarra. Foi membro da direção do Mestrado de Comunicação Política e Corporativa (MCPC) da Universidade de Navarra (UNAV) nos últimos anos. Faz parte da direção da Seção de Pesquisa em Comunicação Política da Associação Internacional de Ciência Política (International Political Science Association – IPSA). Seus interesses de pesquisa incluem marketing político, campanhas eleitorais, comunicação digital e transparência e comunicação pública de instituições.
A popularização é entendida como outra estratégia de comunicação que busca apresentar o candidato interagindo com ambientes e personalidades do mundo da televisão, da música, do esporte e do cinema, e também reproduzindo o cotidiano dos cidadãos, ou os costumes e as práticas dominantes em relação à cultura popular.