Na Roma antiga, fazer campanhas eleitorais significava ativar redes sociais, demonstrar tanto apoio quanto reputação em toda a cidade e mobilizar as massas do eleitorado. Em cidades romanas como Pompeia, não havia programas eleitorais nem partidos políticos organizados. No entanto, os cartazes eleitorais nas paredes de Pompeia mostram uma campanha estrategicamente planejada pelos candidatos e, ao mesmo tempo, um alto grau de envolvimento da população. Há algo que podemos aprender com o mundo antigo para nossas campanhas eleitorais?
Pompeia, março de 79 d.C. No átrio da luxuosa residência de Cayo Cuspio Pansa, uma multidão barulhenta se acumula esperando que o dono da casa a receba. Ele vem de uma família de Pompeia conhecida por sua riqueza e seu êxito político. Já o pai e o avô de Cuspio Pansa haviam ocupado cargos políticos na cidade. Além disso, uma estátua honorária e um altar da família testemunham a influência política e a popularidade da gens Cuspia. Não deve ter surpreendido ninguém que um descendente daquela família concorresse a um cargo político.
Na primavera de 79 d.C., ninguém podia imaginar a catástrofe que atingiria a Baía de Nápoles alguns meses depois e que custaria a vida de milhares de pessoas. A trágica erupção do Vesúvio congelou a vida cotidiana em Pompeia sob uma camada de 25 metros de cinzas e pedra-pomes. Enterrados por séculos, também foram preservados depoimentos dos últimos candidatos às eleições municipais. Um deles é o nosso Cayo Cuspio Pansa.
Fazer campanhas eleitorais: três rituais sociais e muita atenção midiática
1. A salutatio matutina: recepção dos seguidores na casa do candidato
Estamos a poucos dias das eleições, em plena campanha eleitoral. Como todas as manhãs, Pansa convidou para uma recepção em sua casa (fig. 1). Ele veste uma toga cândida, ou seja, de um branco muito puro, quase deslumbrante. Com essa vestimenta, todos veem que ele é candidatus (vestido de branco), um signo distintivo de todos os candidatos a cargos públicos.
Pansa se candidatou para ser um dos dois edis (aediles) da cidade responsáveis pelo abastecimento de grãos e pela manutenção dos edifícios públicos. Também a organização dos jogos de gladiadores fazia parte de suas tarefas. Dessa forma, o cargo de edil era importante para garantir a popularidade na população e obter um dos cobiçados postos no conselho (ordo), onde se concentrava a elite da cidade. Ao mesmo tempo, era um cargo caro, pois uma grande parte das medidas tinha que ser financiada pelo titular do cargo com sua fortuna privada. No ano de 79 d.C., quatro pessoas se apresentaram aos dois postos de edis, o que tornou o ambiente político altamente competitivo. Para os candidatos, era preciso fazer campanha e conquistar a maioria do eleitorado.
Nesse sentido, Pansa saúda a todos que se reuniam no átrio de sua casa, os ouve com atenção e promete ajuda. Sabe bem que esta atenção ao cliente é o momento de mostrar publicamente que se preocupa com as necessidades de seus eleitores e que possui os recursos sociais e econômicos para desempenhar o cargo desejado. No final, todos recebem um pequeno presente, geralmente comida ou dinheiro. Esses presentes – sportulae em latim – geralmente aumentam nos dias que antecedem as eleições, bem como as pessoas que vêm diariamente recebê-los e jurar sua lealdade, ou seja, seu voto no candidato.
Pessoas de todos os grupos sociais vieram para prestar homenagem ao candidato: o núcleo familiar com todos os servos, os escravos libertos (que devem sua liberdade para Pansa) e o grande grupo de famílias que estão sob a proteção da gens Cuspia, sua clientela. Não faltam representantes e líderes de famílias importantes e membros do poderoso conselho da cidade para apoiar a candidatura do jovem Pansa.
É um ritual social impressionante que está acontecendo todas as manhãs nesta casa. Além disso, constitui um pilar fundamental das campanhas eleitorais no mundo antigo. A salutatio matutina (saudação matinal) era um ritual social que estabelecia uma relação de patronato entre um patrono de nível socioeconômico superior e vários clientes de nível socioeconômico inferior. O patrão oferecia proteção e, em troca, esperava lealdade, o que também implicava apoio político nas eleições.
Em tempos de campanha eleitoral, a reunião diária patrão-candidato com seus clientes desempenhava um papel importante para ganhar e manter novos seguidores e, assim, aumentar a rede de clientes. Ao mesmo tempo, a salutatio oferecia ao patrão a oportunidade de se mostrar com outros líderes de famílias socialmente iguais, ou seja, sobretudo ricas e, portanto, politicamente influentes. O objetivo da salutatio era reunir o maior número de seguidores na casa do candidato e mostrar que, entre eles, também estavam pessoas influentes e membros da elite.
2. Deductio e adsectatio: percurso ao fórum acompanhado de seguidores
Quinto Tulio Cicerón, o irmão do famoso escritor e orador Marco Tulio Cicerón, em seu Commentalorium petitionis (breve manual de campanha eleitoral), distingue três tipos de seguidores: “os que vêm cumprimentá-lo em sua casa, os que você leva ao fórum e os que o seguem em todos os lugares”.
O texto faz referência à salutatio e menciona outros dois rituais relacionados com os seguidores.Após a saudação matinal, Pansa sai de casa e dirige-se ao fórum, a praça central do centro da cidade (fig. 2). Este percurso chama-se deductio. A casa de Pansa está localizada em uma das ruas principais de Pompeia que leva diretamente ao fórum. Devido às muitas lojas, oficinas e tabernas, os arqueólogos nomearam esta rua de Via dell’Abbondanza (fig. 3). Passar por aqui significava atravessar o bairro mais povoado e economicamente importante da cidade, ideal para um candidato que queria ser visível para o maior número possível da população.
Para chamar a atenção, Pansa sai de casa acompanhado de seus seguidores. Eles gritam seu nome, mencionam suas virtudes e deixam claro que ele é o melhor candidato. Este desfile de seguidores, a adsectatio, é o momento para que Pansa mostre a todo mundo sua popularidade por meio da quantidade de seguidores que sacrificaram seu tempo para acompanhá-lo.
Pansa para nos pontos de concentração, se aproxima das pessoas, cumprimenta e chama as pessoas pelo seu nome. Conversa com donos de lojas e tabernas, com comerciantes ou com os prefeitos dos bairro e representantes de associações profissionais ou religiosas. Dessa forma, quer convencer também multiplicadores em bairros fora de sua área de influência a mobilizar as massas e ganhar apoio em todos os grupos sociais.
3. Cartazes eleitorais e graffiti: A parede como meio de comunicação
Quando Pansa anda pela cidade, seu nome está muito presente. Há semanas, sua equipe de campanha colocou centenas de inscrições eleitorais pintadas de preto e vermelho sobre o reboco ou cal das paredes (fig.4). Nessescartazes eleitorais
— que os especialistas chamam de programmata — pede-se o apoio a Cuspio Pansa como edil. Escritores profissionais os pintaram em letras bem visíveis nas paredes próximas à casa do candidato, nas ruas principais e pontos de concentração da cidade (fig. 5). No manual da campanha eleitoral, recomenda-se ter sempre em mãos um mapa da cidade e planejar sua campanha de maneira estratégica. A evidência epigráfica nos permite entender que os candidatos em Pompeia aplicavam este conselho.Nos programmata, pede-se que se vote em um candidato, e há associações trabalhistas e pessoas famosas, sacerdotes e parentes dos candidatos que levantam a voz em favor de uma determinada candidatura. Há também vários grafites que reagem à propaganda eleitoral com comentários mais ou menos políticos.
A parede na antiguidade é como uma timeline de uma rede social hoje em dia: um meio de comunicação para informações semioficiais, anúncios, publicidades e listas de preços.
A parede na antiguidade é como uma timeline de uma rede social hoje em dia: um meio de comunicação para informações semioficiais, anúncios, publicidades e listas de preços. Além disso, servia como superfície para comentários, insultos e depoimentos de passatempos de todos os tipos, desde rabiscos sem sentido até poemas artísticos. Similar ao que podemos ver hoje nas paredes de banheiros públicos, ou talvez também no feed de nossas redes sociais.
Cinco características das eleições romanas e suas implicações em campanhas eleitorais
As particularidades da campanha eleitoral de Pansa estão relacionadas ao contexto político e social em que as eleições ocorriam. Aqui algumas características:
1. Onipresença das eleições na vida pública
As eleições na Roma antiga eram onipresentes, devido à anuidade dos cargos políticos. Cada ano os magistrados responsáveis pelas políticas públicas eram eleitos e conduziam-se ferozes campanhas eleitorais nos meses anteriores à votação.
Os candidatos preparavam sua candidatura muito antes de se inscreverem. Tentavam aumentar sua popularidade por meio de doações generosas, jogos de gladiadores ou estabelecendo vínculos com as famílias mais importantes, por exemplo, por meio de jantares opulentos.
Uma vez no cargo, o eleito tinha pouco tempo para mostrar suas habilidades de gestão e sua generosidade. As eleições davam ritmo à vida política cotidiana.
2. Eleições parcialmente livres e altamente injustas
Cabe destacar que as eleições romanas seguiam outros valores de liberdade e justiça do que as eleições nas democracias liberais modernas. Em Pompeia, apenas uma parte da população, os homens com mais de 25 anos, com cidadania urbana, tinham direito ao voto. O resto, mulheres, escravos, libertos, estrangeiros, estavam excluídos. Para concorrer a um cargo político ainda havia mais limitações jurídicas, como ter certa fortuna ou um domicílio na cidade.
É um fato interessante que nos cartazes eleitorais apareciam mulheres e muitos escravos libertos que mostravam seu apoio a um candidato.
3. Um sistema eleitoral que favorecia a elite
Já o requisito de ter uma certa fortuna para concorrer a um cargo político limitava significativamente o grupo de possíveis candidatos e favorecia as famílias abastadas. Para reforçar ainda mais esta vantagem, os filhos dos membros do conselho, constituído por antigos titulares de cargos políticos, eram convidados para as reuniões e tinham oportunidade de opinar em determinadas situações. Isto permitia-lhes serem conhecidos pelos chefes de família politicamente influentes e melhorar a sua posição frente aos candidatos que tentavam concorrer por fora deste círculo.
4. Um panorama político sem partidos políticos e sem programas eleitorais
Para estabelecer vínculos com outras famílias importantes, alguns candidatos se apresentavam com outros depois de formar uma aliança política. Na última campanha eleitoral de Pompeia, Pansa, por exemplo, concorreu junto com outro candidato – Lucio Popidio Secundo – para os dois cargos de edis. Isso pode ser observado em cartazes eleitorais em que se pedia para votar em ambos. Além disso, cartazes de um candidato são vistos perto da casa do outro.
O discurso político, como se pode ver nas fontes literárias ou na evidência epigráfica, é estruturalmente conservador; a mentalidade romana orientava-se para a tradição dos antepassados e para a manutenção do status quo. As coisas eram mudadas com atitude pragmática e não ideológica. As alianças políticas e os grupos de seguidores não eram partidos políticos em um sentido moderno. Tinham características de movimentos sociais que se formavam ao redor de um político carismático. Se algo exigia uma gestão política — por exemplo, regular os preços dos grãos ou restaurar as termas — era feito para aumentar a popularidade pessoal, não com base em algum programa político.
5. Eleições como rituais religiosos e eventos sociais
O caráter exclusivo das eleições fazia com que o direito ao voto fosse um privilégio. Exercer esse privilégio e participar das eleições criava identidade política: se como cidadão se ia votar, isso mostrava que se pertencia ao grupo dos livres — mais próximo dos mais privilegiados da sociedade, embora quase sempre fossem estes últimos que podiam se candidatar e ganhar —.
Outro aspecto que contribuía para formar identidade coletiva era o contexto religioso em que se enquadravam as eleições. Uma sequência de rituais e sacrifícios no início e no final de cada votação devia garantir a boa vontade dos deuses e, portanto, legitimar o resultado das eleições de forma religiosa. Desta forma, as eleições no mundo romano nunca eram somente um assunto político, mas sempre um evento social relevante para toda a comunidade.
Cinco lições das campanhas eleitorais na Antiguidade
1. A preparação é tudo
Como visto durante o percurso de Pansa, é preciso pensar bem nos detalhes. Quem eu quero alcançar e como posso me dirigir a eles? Eu sei onde está meu grupo-alvo e quais são suas necessidades? Isso não se faz poucas semanas antes das eleições, senão é um trabalho contínuo de muito tempo antes de concorrer ao cargo.
2. Ampliar redes de seguidores em toda a população
Conheço gente em todos os bairros, de diferentes grupos profissionais e de todas as classes sociais? É imprescindível ter pessoas do meu bairro como seguidoras, mas não é o suficiente para ganhar. Se quero ganhar, preciso mostrar minha boa reputação em todas as partes da cidade. É o que mostra a distribuição dos programmata em Pompeia.
3. Mobilizar as massas com multiplicadores
Para chegar lá, preciso de multiplicadores. Os que têm boa reputação, os que conhecem o bairro e os que o povo segue. Entre eles encontram-se os aliados políticos, mas além destes, preciso de outros tipos de multiplicadores, como líderes de bairro, porta-vozes de associações profissionais e religiosas, donos de lojas e negócios.
4. Nas redes sociais: deixe os outros falarem
Se um seguidor fala bem de mim e deixa seu nome em uma publicidade eleitoral, isso conta mais do que minhas próprias apresentações. É preciso se certificar de ter a maior quantidade possível de pessoas que estejam dispostas a dar seu nome para a minha campanha. Tal como os seguidores que, nos cartazes eleitorais, pediam o voto para Cayo Cuspio Pansa como edil.
5. Personalizar a campanha
Cada campanha é única e deve responder às características do candidato e às suas necessidades. Isso cria autenticidade e é a base de uma boa reputação.
Não se sabe se Caio Cuspius Pansa ganhou as eleições em 79 dC em Pompeia. O que sim sabemos é que, quase certamente, ele fez uma campanha baseada em sua boa reputação para garantir o maior número de votos por meio de uma rede heterogênea de seguidores. Talvez isso nos possa servir como uma referência melhor para o presente.
Bibliografia
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Rodríguez Neila, J. F. (2004). La propaganda electoral en la ciudad romana. Em J. Bartolomé Gómez, M. González Rodríguez, M. Quijada (eds.), La escritura y el libro en la Antigüedad (pp. 115-130). Madrid: Ediciones Clásicas.
Schaumberg, Th. (2021). Graffiti und programmata aus Pompeji. Graffiti-Pompeji
Schaumberg, Th. (2021). Wahlen und Wahlkampf im frühen Prinzipat
Thomas Schaumberg
Doutor em História Antiga. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade LUMSA de Roma e graduado em Latim e História. Coordenador para os países andinos da América Latina na Fundação Konrad Adenauer. Foi representante adjunto da Fundação Konrad Adenauer no Programa Regional Partidos Políticos e Democracia na América Latina e no escritório para o Uruguai.
Figura 1. O átrio de uma casa luxuosa em Pompeia com impluvium (tanque retangular para transportar a água da chuva) no centro e o tablinum que levava ao peristilium (recinto interno cercado por colunas). Aqui era realizada a salutatio, o ritual matinal para receber a seguidores. Fonte: Pinterest.
Figura 2. O fórum de Pompeia. Ao lado esquerdo da praça principal, o templo de Júpiter; do lado oposto, a cúria, onde o conselho se reunia. Provavelmente as eleições eram realizadas ao ar livre, entre todos os homens livres de 25 anos ou mais, com cidadania da cidade. Fonte: Wikicommons (CC BY-SA 4.0/ElfQrin).
Figura 3. AVia dell’Abbondanza em Pompeia: uma das principais ruas da cidade que levava diretamente ao fórum. Passar por aqui com os seguidores era imprescindível para os candidatos. Fonte: Flickr.
Figura 4. Propaganda eleitoral na taberna de Asellina, Via dell’Abbondanza (IX, 11, 2), Pompeia. É possível ver cartazes eleitorais de diferentes campanhas eleitorais dos últimos anos da cidade.Figura 5. O último chamado às urnas em Pompeia. Localização dos cartazes eleitorais da campanha eleitoral de 79 d.C em Pompeia. Uma área de concentração é a Via dell’Abbondanza, no sudeste da cidade.