Nos dias 8 e 9 de agosto, os oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) – Brasil, Colômbia, Bolívia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname e Guiana – se reuniram em Belém, na Amazônia brasileira, capital do estado do Pará.
A declaração final da Cúpula da Amazônia, a Declaração de Belém, deixou ambientalistas decepcionados, pois os membros não se comprometeram a erradicar o desmatamento até 2030. Uma visão mais otimista pode enxergar na reunião um primeiro passo para uma série de esforços a longo prazo para alcançar a meta de desmatamento zero.
Declaração de Belém
Há uma profusão de siglas de integração regional na região. Este ano já houve reunião do bloco comercial do Mercosul; o encontro da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a assembleia geral anual da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esses eventos muitas vezes não chegam a decisões relevantes. Portanto, por que alguém no Chile, no México ou nas Bahamas deveria se importar com a cúpula da OTCA?
Primeiro porque o desmatamento da floresta amazônica pode afetar toda região via mudanças climáticas. Em segundo lugar, se os países amazônicos conseguirem convencer os países ricos a pagarem para que a floresta seja preservada, ao invés de promover projetos extrativistas, esse paradigma pode ser adotado por outros países da região. De fato, a Primeira Ministra do arquipélago caribenho de Barbados, Mia Mottley, virou uma das principais vozes no debate sobre a necessidade de financiar a mitigação às mudanças climáticas no Sul Global.
Pontos mais importantes
A declaração final do encontro fala em “pactar metas em comum para 2030” no combate ao desmatamento e em combater atividades ilegais na floresta. O documento cita os três eixos para os países da OTCA: proteção da Amazônia; combate à pobreza e às desigualdades, e desenvolvimento sustentável da região.
A Declaração de Belém é um documento de 113 pontos, que menciona uma série de intenções de aprofundar a cooperação em diversas áreas como gestão da água, proteção dos indígenas, pesquisa científica, entre outros. Anunciou-se ainda a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, que terá sede em Manaus.
A declaração não traz nenhuma obrigação aos Estados nem menciona fontes de financiamento para as boas intenções. Apenas, “exorta” os países desenvolvidos a cumprirem a promessa feita na cúpula do clima de Copenhagen (em 2009) de investir US$ 100 bilhões por ano.
A OTCA é uma organização pequena: sua sede é um escritório em Brasília. O órgão foi fundado em 1978, e antes da Cúpula em Belém, só tinha se reunido três vezes antes, (1989, 1992 e 2009). A organização possui um fórum para reunir legisladores de cada país, o Parlamento Amazônico, que não teve nenhuma reunião na última década.
Olhando para o futuro, as perguntas que ficam são: A OTCA será fortalecida? Terá maior orçamento?
O pequeno passo concreto na declaração foi que os países da OTCA decidiram apoiar Belém para ser sede da conferência da ONU sobre o clima, a COP-30 em 2025.
Proteção da Amazônia
A Amazônia é central para a regulação do clima no planeta. As árvores da floresta capturam carbono. Cientistas afirmam que o desmatamento deixou a floresta próxima a um “ponto de não retorno”, ou seja, que seria impossível reflorestá-la e manter o restante que resta de pé. Há partes da floresta que estão se transformando em savana, com clima mais seco, temperaturas mais altas e menos chuva. Isso ocorre no estado brasileiro do Pará.
O desmatamento não é o único sério problema ambiental da região. Em Belém, cidade de 1.3 milhões de habitantes, somente 12,9% do esgoto é coletado e 0,98% tratado (dados de 2019). Na Amazônia vivem 33 milhões de habitantes e a região é mais pobre que o resto dos territórios nos países da OTCA.
O papel de Lula
A Cúpula da Amazônia foi uma iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem apostado na diplomacia presidencial para aumentar seu capital político. Desde que assumiu, Lula já se reuniu com o presidente americano Joe Biden, com o presidente chinês Xi Jinping, diz que quer fechar o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia e, duas semanas depois da Declaração de Belém, foi para a África do Sul para o encontro dos BRICS.
A pauta ambiental é uma das prioridades de Lula. É um dos assuntos onde ele pode se posicionar como líder global, ao contrário de sua improvisada tentativa de mediar a Guerra na Ucrânia. Ademais, Lula nomeou como Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, uma referência na pauta ambiental. Lula tem de prestigiá-la porque ganhou as eleições de 2022 por margem muito estreita. Todos os apoios lhe são caros.
A pauta ambiental também rende boas notícias ao governo: de janeiro a junho deste ano, o desmatamento na Amazônia caiu 60% em relação ao ano anterior. O desmatamento no primeiro semestre ficou abaixo de todos os anos da gestão passada, do ex-Presidente Jair Bolsonaro.
Coalizão heterogênea
No entanto, Lula não é um ambientalista. Ele é o líder de uma coalizão heterogênea, onde estão também o lobby das empresas automobilísticas e os partidos conservadores do Centrão. Lula é a favor da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, um projeto da estatal Petrobras. Os políticos locais, em sua maioria, apoiam de olhos nos royalties que gerarão para a região.
A exploração de petróleo na floresta foi um foco de atrito na cúpula. O presidente colombiano Gustavo Petro pressionou sem sucesso por uma posição da OTCA contra novos projetos de óleo e gás na Amazônia. Petro foi apoiado por indígenas e ambientalistas.
Petro e Lula desejavam que os membros da OTCA se comprometessem a terminar com o desmatamento até 2030, porém Venezuela e Bolívia bloquearam essa iniciativa.

Análise
Um olhar otimista sobre o evento enxerga um primeiro passo, de muitos necessários, para a necessária cooperação entre os países da região para preservar a floresta e combater a pobreza na região. Um olhar pessimista sobre o mesmo evento vê uma longa declaração sem decisões que obriguem os governos a colocar em prática o que eles prometeram nos dois dias de cúpula
Uma dificuldade prática de implementação é que muitas vezes, elites locais e o crime organizado estão envolvidas no desmatamento na floresta. Membros da Força Aérea brasileira cooperavam com um integrante do cartel de drogas Primeiro Comando da Capital (PCC) em um esquema de mineração ilegal na reserva indígena do povo Yanomami. O padrão de relações próximas entre agentes do Estado e crime organizado se repete nos outros países amazônicos.
Outro risco é que os países da OTCA consigam construir instituições robustas para zerar o desmatamento. O Brasil tem longa experiência no tema e uma oportunidade de cooperação.
Um outro desafio para a cooperação entre os países da OTCA é a descontinuidade de políticas devido a mudança de governos. No caso do Brasil, maior sócio do bloco, um eventual próximo governo da direita bolsonarista manteria a cooperação nesse assunto? Dificilmente, pois o tema das mudanças climáticas não é uma prioridade para essa identidade política. Duas figuras próximas a Bolsonaro são os governadores dos estados de São Paulo Tarcisio Freitas e o de Minas Gerais Romeu Zema. Ambos são candidatos à sucessão de Lula.
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